Doença ainda é motivo de estigma e isolamento; lei brasileira determina que tratamento seja iniciado em no máximo 60 dias
Uma guerreira não se define apenas pelas batalhas que enfrenta, mas pela forma como se levanta a cada golpe, mesmo quando o caminho parece impossível. Maria das Neves é essa guerreira. Aos 65 anos, depois de passar por uma cirurgia para a retirada de um câncer de mama, ela vive a luta diária contra a doença.
Moradora de Piedade, no Rio de Janeiro, Maria enfrenta uma jornada pela cidade ao menos uma vez por mês até o prédio do Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Centro do Rio, onde realiza seu tratamento. A rotina desgastante inclui sessões de quimioterapia, consultas médicas e acompanhamento psicológico, mas Maria não se deixa abater.
No Inca, histórias como a de Maria se multiplicam. São mulheres de todas as idades, vindas de diferentes partes da cidade, e até de outros estados, que chegam ao centro de tratamento em busca de uma chance de cura. Elas se apoiam umas nas outras, compartilhando medos, inseguranças, mas também momentos de alívio e pequenas vitórias diárias.
A antropóloga Waleska de Araújo Aureliano, do Departamento de Antropologia da UERJ, afirma que a doença afeta muito além do físico das mulheres. “O significado das mamas, fortemente ligado à imagem do corpo feminino em diversas culturas, faz com que essa doença seja um desafio não apenas médico, mas também psicossocial.” Waleska destaca que a questão envolve a forma como as mulheres se veem e são vistas pela sociedade após uma mastectomia (retirada das mamas), mesmo que seja feita a reconstrução da mama.
No Brasil, a legislação estabelece um prazo de 60 dias para que as mulheres recebam o tratamento necessário após o diagnóstico de câncer de mama. Contudo, Waleska ressalta que essa regra nem sempre é cumprida, especialmente para mulheres que residem em áreas rurais ou em regiões periféricas. Apesar disso, houve um crescimento significativo no acesso ao tratamento. De acordo com o documento “Controle do câncer de mama no Brasil: dados e números 2024”, do Inca, o número de pacientes ambulatoriais aumentou 54% de 2012 a 2022.
A antropóloga também destaca a importância da reconstrução mamária, que é garantida por lei, mas que nem sempre deve ser uma obrigatoriedade. Muitas mulheres, após a mastectomia, se veem pressionadas a realizar a reconstrução como um caminho para recuperar a autoestima. No entanto, essa visão é questionada por alguns grupos ativistas que advogam pela aceitação de corpos que não se encaixam nos padrões tradicionais de feminilidade.
O movimento conhecido como "Going Flat" defende que as mulheres têm o direito de optar por não reconstruir suas mamas, sem que isso diminua sua identidade ou valor social. No Brasil, o movimento é reforçado pela ONG "Mulheres de Peito e Cor", no Engenho Novo, zona norte do Rio de Janeiro. O projeto é liderado por Jaqueline Faria, que, após optar por não fazer a reconstrução, defende a ideia de que ela não seja obrigatória.
Waleska afirma que, no passado, muitas mulheres evitavam buscar diagnóstico e tratamento pelo medo de perder as mamas, símbolo do feminino. A antropóloga destaca que, quando falam abertamente sobre o câncer, mostrando suas cicatrizes, as mulheres podem se reconhecer e serem reconhecidas. “Elas podem se identificarem com isso, criar uma identidade em torno da doença e de coletivos de outras mulheres."
O que é o câncer de mama?
O câncer de mama é a principal causa de morte por câncer entre mulheres brasileiras. A taxa de mortalidade ajustada foi de 11,71 óbitos por 100.000 mulheres em 2022, com a maioria dos óbitos ocorrendo entre mulheres com idades entre 50 e 69 anos. O câncer de mama representa 16,1% de todos os óbitos por câncer no Brasil.
Esse tipo de câncer se origina nas células da mama, geralmente nos ductos (canais que transportam o leite) ou nos lóbulos (glândulas produtoras de leite). Ele ocorre quando há um crescimento descontrolado de células anormais nessas regiões, formando um tumor. Embora o câncer de mama afete majoritariamente mulheres, ele também pode se manifestar em homens, embora em casos raros.
A doença pode ser localizada ou avançada, dependendo de sua propagação para outros tecidos ou órgãos. O diagnóstico precoce, por meio de exames como a mamografia, é crucial para aumentar as chances de tratamento eficaz e cura, com taxas de sobrevida em 5 anos de 93% a 100% nos estágios iniciais, em comparação a 70% a 72% nos estágios mais avançados.
Os sintomas mais comuns incluem o aparecimento de um nódulo na mama, alterações na pele ou no formato da mama, secreção anormal pelo mamilo e inchaço. O tratamento pode variar entre cirurgia, quimioterapia, radioterapia e hormonioterapia, dependendo do estágio e tipo do câncer.
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