“O calor tá de matar”: a rotina dos trabalhadores do calçadão de Bangu
- Patrick Veloso

- 24 de nov.
- 4 min de leitura
Em 2023, termômetro marcou 63,2 Cº no centro comercial
Por Patrick Veloso

Com a chegada da primavera, a temperatura subiu e volta a complicar a rotina dos cariocas. Em Bangu, bairro da Zona Oeste que é um dos mais quentes do Rio, os termômetros já marcam 35º em um dia comum de novembro. Mas a vida de quem trabalha em um dos pontos mais quentes do Rio de Janeiro não pode parar.
Alma do bairro, o calçadão de Bangu é um centro comercial com cerca de 600 metros de extensão. Localizado na Avenida Cônego de Vasconcellos, é coberto por duas linhas de coberturas metálicas que percorrem toda a área. A estrutura é cortada pela linha do trem, o que não é um problema, já que a estação possibilita o acesso entre os dois lados por escadas rolantes.
Em 2023, o jornal O Globo registrou a marca de 63, 2ºC num termômetro do centro comercial, conhecido como um dos lugares mais quentes do bairro. Centenas de trabalhadores ganham a vida nesse local, que recebe um fluxo intenso de clientes. Ver pessoas passando mal por conta do calor é comum.
Como trabalhar em um ambiente como esse?
A resposta é complexa. Mesmo acostumados com as altas temperaturas e com meios para se refrescar, os comerciantes continuam passando mal em dias de calor extremo, principalmente aqueles com mais idade. O vendedor de sucos Dermil de Vasconcellos, 77, trabalha no calçadão há mais de 15 anos. Para ele, o calor é uma contradição: enquanto suas vendas aumentam por conta da temperatura, seu bem-estar é afetado por ela. “Ajuda demais nas nossas vendas. Por causa das estações mais quentes, dá pra ficar o inverno todo sem trabalhar e continuar pagando as contas”, conta. Seu Dermil também ressalta os problemas que chegam com o sol escaldante, afirmando que já passou mal, pelo menos, duas vezes. “O calor de Bangu é de matar”.
Esses relatos são mais comuns entre as pessoas mais velhas. Mas, indo contra o fluxo, Maria Regina, 62, vendedora de vestidos, trabalha no calçadão há três décadas e diz que não passou mal uma única vez.
De fato, os comerciantes mais jovens demonstram estar mais acostumados com o sol banguense. No caso do vendedor de frutas Breno Silva, 31, a resistência vem acompanhada de soluções otimistas. Instalado no início do centro comercial, Breno conta que a temperatura não atrapalha as vendas e, se bater um calor mais forte, ele enche um balde que traz de casa e se refresca ali mesmo.
Essa fama de “maçarico” que acompanha Bangu tem uma razão geográfica. O bairro fica entre os maciços da Pedra Branca e do Mendanha, criando um vale onde o calor é retido.
Na maioria dos setores do calçadão, as vendas costumam aumentar durante os períodos mais quentes, especialmente para quem trabalha com bebidas e frutas. O movimento, nesse período, apesar de alto, é bem espaçado, com altas na parte da manhã e no final da tarde, quando o sol começa a cair. Os trabalhadores relacionam essa melhora nas vendas com a maior disposição das pessoas a saírem de casa em dias quentes. Para outros comerciantes, no entanto, o calor é um empecilho para os negócios.
Tania de Oliveira, de 56 anos, trabalha há 12 anos no calçadão vendendo roupinhas para pets. Para ela, o calor não é sinal de prosperidade nas vendas, mas sim de uma queda de 90% na sua renda. Por conta disso, decidiu não trabalhar no mês de janeiro, quando as temperaturas são naturalmente mais altas, descansando neste período de baixa nas vendas.
Para a maioria dos comerciantes, é fundamental se hidratar bastante durante o serviço, pois essa é a única forma de se refrescar. Os que trabalham na parte totalmente coberta do calçadão encontram certo alívio ao ter pouco contato direto com o sol, porém, os corredores ficam majoritariamente tapados por mercadorias, interrompendo a passagem do ar. Para escapar do calor intenso, os vendedores se ajudam e dividem uma sombra, um ventilador de chão ou uma garrafa d’água.

Espaço e ação da prefeitura
Oficialmente, o calçadão de Bangu foi inaugurado em 1991, sem coberturas, e com lojas adjacentes, semelhante a uma praça em comprido. Ao longo dos anos, vendedores ambulantes foram se estabelecendo no local e, em 2002 foi instalada uma cobertura de metal climatizada, a primeira estrutura de refrigeração de uma via pública no Brasil. O sistema não funciona há pelo menos 11 anos. Antes da interrupção, eram recorrentes as reclamações de mau funcionamento e odor ruim na água.
Em 2018, a prefeitura do Rio publicou uma resolução permitindo apenas 180 camelôs atuando no calçadão. Essa medida buscava padronizar e organizar o centro comercial, mas acabou marginalizando uma gama de trabalhadores não autorizados pela prefeitura.
A subprefeitura da Zona Oeste 1, localizada na Rua Silva Cardoso, ao lado do calçadão, realiza ações frequentes no local, sendo em sua maioria de limpeza e retirada de estruturas utilizadas pelos comerciantes. Entretanto, não existem previsões para a volta do sistema de climatização ou para implementação de ações que auxiliem trabalhadores e transeuntes em dias de calor intenso.
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