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O futebol virou aposta

  • Foto do escritor: Rampas
    Rampas
  • 30 de jul.
  • 7 min de leitura

Como as bets estão mudando a forma de torcer no Brasil 


por Nuno Melo


Em bares e arquibancadas, o celular virou companheiro inseparável do torcedor — cada lance pode significar lucro ou prejuízo imediato. // Foto: Agência Brasil
Em bares e arquibancadas, o celular virou companheiro inseparável do torcedor — cada lance pode significar lucro ou prejuízo imediato. // Foto: Agência Brasil

É quarta-feira à noite no Quiça Bar em Vila Isabel, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Ali, acompanhado de amigos, está o ilustre rubro-negro e morador “Nelsinho”, que insiste, a contra gosto de alguns clientes, em colocar na televisão o jogo de seu time de coração - mesmo faltando algumas horas para o começo da partida. A hesitação de Nelson Sampaio (62) pode ser explicada não só pelo fanatismo que carrega há 50 anos pelo Flamengo, mas por um ingrediente que o tem feito, segundo ele, “tirar uma graninha a mais”: as apostas esportivas online. Apesar da notória dificuldade com a tecnologia, Nelsinho saca o celular e confere o número de cartões amarelos que deduziu para o embate da vez. Ele se diz “mais inteirado” na partida: “O que importa agora são os números, as estatísticas. Continuo torcendo para o Fla, mas se ele perder e eu lucrar, não fico mais tão triste”, brinca, enquanto atualiza o aplicativo.


O pensamento de Nelson no pré-jogo traduz um novo modo de torcer no futebol brasileiro. Com a explosão do mercado das casas de apostas online, seja dentro ou fora de campo, quem torce também aposta. A promessa de ganhos rápidos aliada aos impulsos de prazer no cérebro consolidou as bets no cenário nacional e trouxe consigo, para além de investimentos milionários, uma questão de saúde pública, o agravamento do vício em apostas. 


Das “fezinhas” às bets: apostas em um país marcado pela desigualdade

  

No Brasil, a popular “fezinha” (aposta informal feita em valor pequeno) enchia de esperança torcedores que aliavam expectativa e paixão pelos botecos e estádios das capitais. Como um elemento cultural, a aposta esportiva caminhou com a evolução do esporte no país, e, já no passado, foi protagonista de escândalos — como o caso da máfia do apito em 2005, que envolveu manipulação de resultados no Campeonato Brasileiro. Durante décadas, as apostas eram restritas a formatos físicos, como loterias esportivas e bolões, sem grande integração com o dia a dia do torcedor. Mas o cenário mudou com a explosão das bets. “Hoje, a relação com o jogo é mais específica: a experiência de investimento individual está substituindo a emoção coletiva”, analisa Victor Andrade, historiador e antropólogo vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 


Para ele, a nociva popularização das apostas e as investigações sobre esquemas de manipulação têm tirado a inocência do futebol e das massas. “Qualquer pixotada de um zagueiro mais estabanado, um cartão amarelo aplicado num atleta mais violento ou até mesmo uma penalidade perdida passa a ser observada com uma suspeita nunca antes vista na história do futebol. E isso é muito grave”, salienta Victor, que define o atual panorama do futebol brasileiro como “uma bomba prestes a explodir”, tendo em vista os riscos comerciais e sanitários das bets.


Das tradicionais “fezinhas” em loterias aos aplicativos de aposta: um hábito cultural que se modernizou — e ganhou riscos mais altos. // Foto: Agência Brasil
Das tradicionais “fezinhas” em loterias aos aplicativos de aposta: um hábito cultural que se modernizou — e ganhou riscos mais altos. // Foto: Agência Brasil

“A chegada das apostas esportivas no Brasil foi o último ato do governo Temer. Daí para frente, o segmento vira o grande investidor não só em patrocínio no futebol, como na mídia”. Quem pontua é Erich Beting, jornalista e especialista em marketing esportivo. Ele, que orienta o curso online “A Máquina do Esporte”, em que põe em xeque o momento da indústria do futebol, argumenta que as bets trouxeram o elemento da aposta ao resultado, o que muda a forma como o torcedor percebe o jogo. “Isso tem feito o torcedor querer um resultado também por questões financeiras”, completa Mauro. 


A necessidade econômica de quem aposta, apontada pelo jornalista, é um dos caminhos com os  quais as principais casas de apostas têm se consolidado no mercado do futebol brasileiro. Sofrendo influência do turbilhão de anúncios nas redes sociais, nas transmissões e até mesmo nas camisas dos times e no nome do campeonato nacional, os torcedores que decidem investir nas “odds” (chances de um evento ocorrer durante o jogo) compõem um determinado padrão no país. É o que diz o último levantamento promovido pelo Instituto de Pesquisa DataSenado: apostadores, em sua maioria (56%), entre 16 e 39 anos, homens (62%), que recebem até dois salários mínimos, são os que mais apostam ao longo de um mês - e os que mais se endividam. Atraídos pela tentação de retorno fácil, 42% dos apostadores brasileiros estão inadimplentes. 


O sensível panorama tenta ilustrar as ruínas de uma nova forma de torcer para o bolso e para a saúde mental do brasileiro. Pouco tempo depois da divulgação dos resultados da pesquisa da DataSenado, em agosto de 2024, o Banco Central soou o alarme para o impacto das bets no endividamento de beneficiários do Bolsa Família - dos 14,1 bilhões distribuídos pelo programa naquele mês, 3 bilhões de reais foram gastos em apostas. - abordando o problema também como “questão de saúde” . No entanto, de acordo com a agência Fiquem Sabendo, nesse mesmo período, o Ministério da Saúde só esteve presente em 2 das 209 reuniões sobre o tema que o governo promoveu entre março e setembro daquele ano. Enquanto isso, a roleta das bets girou e seus efeitos têm revelado um prognóstico ainda mais preocupante. 


  

Entre o jogo e a dependência: apostas como questão de saúde pública 


“É um dano que está machucando, a gente não tem a real noção do que está acontecendo”, apontou Filipe Luís, treinador do Flamengo, em uma das raras declarações sobre o universo das bets vindas do próprio meio do futebol. À época, Filipe refletia sobre o recente indiciamento de Bruno Herique, atacante rubro-negro, na investigação conduzida pela PF sobre manipulação esportiva. As palavras do treinador do clube mais popular do país, que chegou a comparar a relação do futebol e as bets com a Fórmula 1 e as marcas de cigarro,  ressoaram na imprensa, mas não surpreenderam quem já trata do tema há algum tempo. 


Lembrada pelo seu jaleco amarelo e unhas coloridas, a assistente social Jaqueline Silveira (38) dá passos largos para chegar a tempo no “salão apagado”. É ali, aos fundos da principal igreja do bairro, que acontece, às sextas feiras, o encontro dos Jogadores Anônimos no Santuário de São Benedito, em Pilares, na zona norte. Com os mesmos moldes da irmandade dos Alcoólicos Anônimos, o grupo, que é coordenado pela “Jaque”, reúne 36 pessoas que compartilham experiências e situações para ajudar a combater o vício em apostas. “Antes da pandemia, éramos 7 pessoas. Sabemos que nossos encontros refletem o mundo que a gente tem visto fora do salão”, ela comenta, e detalha a atuação da associação religiosa. 


Ansiedade, frustração e compulsão: quando o jogo vira necessidade, o que está em risco não é o placar — é a saúde mental do torcedor. // Foto: Agência Brasil
Ansiedade, frustração e compulsão: quando o jogo vira necessidade, o que está em risco não é o placar — é a saúde mental do torcedor. // Foto: Agência Brasil

Hoje, entende-se que certos comportamentos impulsivos – como tirar o celular do bolso no meio de um jogo de futebol para apostar no número de cartões amarelos até o fim da partida – também causam dependência. Com base em critérios do DSM-IV, o manual internacional de diagnóstico psiquiátrico, jogadores patológicos interpretam a “quase vitória” como reforço positivo e que, de alguma maneira, possuem controle sobre algo totalmente aleatório. No futebol, essa noção ganha contornos ainda mais representativos. 


“Recebemos um paciente que, desempregado, perdeu o carro e hoje vive de aluguel e auxílio do governo. Mas insiste em dizer que ganha com as bets que faz”, relembra Jaqueline, apontando ainda alguns motivos pelos quais as bets esportivas sentenciam torcedores. Ela sugere que as apostas em um jogo de futebol têm uma velocidade “meio-termo” da hiperestimulação do cérebro - e isso a diferencia dos demais jogos convencionais. “O resultado da mega-sena pode sair horas ou dias depois; nos casinos online, segundos. Assistindo um jogo de futebol, a quantidade de variáveis do jogo, tudo é inesperado. Essa ‘demora’ dos resultados esconde a noção de vício, e a pessoa demora a notar que está perdendo dinheiro”, ela pensa, enquanto mostra um dos sites que os pacientes mais utilizam. Nas reuniões dos Jogadores Anônimos, comenta, muitos viciados comparecem vestindo camisas de futebol, que estampam casas de apostas que os fazem mal. 


O torcedor que vira apostador: uma nova psicologia de consumo


Para a psicóloga Fátima Lúcio, especialista em saúde mental de jovens, o impacto das bets esportivas vai muito além da tela do celular. “As apostas mexem diretamente com o sistema de recompensa do cérebro. A vitória gera euforia, prazer imediato — e isso se torna viciante. É como uma hiperatividade do ganhar”, explica. Segundo ela, o ciclo é semelhante ao das drogas: a cada ganho, o apostador busca repetir a sensação, criando uma dependência que se disfarça de entretenimento. O que começa como diversão, muitas vezes, se transforma em necessidade. O problema é que, ao contrário do que vendem as propagandas, quem perde também aposta mais, tentando reverter os prejuízos — o que pode causar frustração profunda, ansiedade e quadros depressivos severos.


Jovens entre 16 e 39 anos e com baixa renda são os que mais apostam — e os mais vulneráveis ao endividamento, segundo o DataSenado. // Foto: Agência Brasil
Jovens entre 16 e 39 anos e com baixa renda são os que mais apostam — e os mais vulneráveis ao endividamento, segundo o DataSenado. // Foto: Agência Brasil

A psicóloga alerta especialmente para os jovens, grupo mais exposto ao risco. “Eles têm acesso fácil às plataformas, pouca maturidade emocional e são bombardeados por influenciadores dizendo que é possível enriquecer sem esforço”, afirma. A promessa de dinheiro rápido, aliada à gamificação das bets, pode deturpar completamente a relação com o trabalho e o esforço. Quando as perdas se acumulam, vêm a vergonha, o isolamento, a baixa autoestima — e, em casos extremos, até ideação suicida. Fátima afirma que familiares e amigos precisam estar atentos a sinais como mudanças bruscas de humor, impaciência, falta de apetite e retraimento social. “São comportamentos que muitas vezes passam despercebidos, mas que denunciam uma relação tóxica com o jogo.”


Encontrar um ponto de equilíbrio entre paixão pelo futebol, desejo de ganhar dinheiro e responsabilidade emocional é o grande desafio. Para ela, a prevenção passa por criar rotinas sólidas, vínculos reais e senso de propósito: “É preciso ter compromissos que dependam do seu engajamento, atividades que te lembrem que o ganho de dinheiro é um processo, não uma roleta.”. Apostar pode até parecer uma extensão dessa paixão, mas quando o prazer se torna compulsão, a linha entre torcer e sofrer se apaga — e, muitas vezes, o que está em jogo não é o placar, mas a saúde mental.



6 comentários


Membro desconhecido
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Membro desconhecido
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Membro desconhecido
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Membro desconhecido
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Membro desconhecido
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