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Os donos da camisa branca


Ídolo eterno e cria da casa: Ronaldo Nazário estampado na entrada do estádio mantém viva a conexão entre o passado glorioso e o presente resistente do São Cristóvão. Foto: Stephano de Souza
Ídolo eterno e cria da casa: Ronaldo Nazário estampado na entrada do estádio mantém viva a conexão entre o passado glorioso e o presente resistente do São Cristóvão. Foto: Stephano de Souza

No futebol, alguns símbolos sobrevivem à passagem do tempo. Camisas, escudos, apelidos e hinos resistem mesmo quando os títulos e as finanças desaparecem. No subúrbio do Rio de Janeiro, mais especificamente em Figueira de Melo, no bairro de São Cristóvão, um clube leva essa resistência ao extremo: o São Cristóvão de Futebol e Regatas, popularmente conhecido como o “Time do Branco”. Inspirado por sua história e cercado por lendas suburbanas, o São Cristóvão ostenta com orgulho uma camisa branca que se tornou um escudo cultural. Muito além de uma escolha estética, o branco se transformou em identidade.


Durante décadas, o clube não precisou de um segundo uniforme. No início do século XX, quando as regras eram mais flexíveis e o futebol ainda era quase amador, nenhuma outra equipe carioca utilizava branco como cor principal. Isso permitia ao São Cristóvão jogar sempre com o mesmo conjunto, o que acabou virando tradição.


Anos depois, a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ) oficializou a preferência do clube na escolha de uniformes, garantindo ao São Cristóvão o direito de sempre jogar de branco — uma espécie de privilégio reverenciado como patrimônio moral da instituição.


Lendas, exageros e o orgulho de Figueira de Melo


Com o tempo, o uniforme branco passou a carregar não só tradição, mas também folclore. Circula entre torcedores a história de que nem mesmo o Real Madrid — o "time branco" da Europa — teria prioridade se um dia enfrentasse o São Cristóvão. Outra versão, ainda mais exagerada, fala sobre um suposto reconhecimento da FIFA em relação à camisa branca do clube. Nada disso é confirmado oficialmente, mas a mitologia reforça o orgulho de ser cadete.


Mesmo nas raras ocasiões em que participou de campeonatos nacionais, o clube fazia questão de contatar os adversários antecipadamente para garantir o uso do uniforme branco — e quase sempre era atendido, em sinal de respeito. O uso do uniforme reserva, em rosa e preto, é restrito a outras modalidades esportivas ou situações de emergência.


A história do clube não se resume ao passado. Ela pulsa ainda hoje nos degraus desgastados do Estádio Ronaldo Nazário, batizado em homenagem ao mais ilustre jogador revelado nas suas categorias de base: Ronaldo, o Fenômeno. E é ali, entre cadeiras herdadas do velho Maracanã e grades enferrujadas pelo tempo, que torcedores como Waldemir Gomes, 64, mantêm viva a chama do São Cristóvão. Comerciante e frequentador assíduo das arquibancadas, Waldemir recorda com detalhes a última vitória sobre o Nova Cidade, pela Série C do Estadual.“Não conseguia nem me mexer. O time deles só se defendia, mas o nosso é guerreiro. Vencemos aos 85 com um gol do Kanté. Foi um alívio”, relembra.



Antes de ser Fenômeno: na base do São Cristóvão, o garoto tímido já mostrava lampejos de gênio — e deixou sua marca no “Time do Branco” antes de conquistar o mundo. Créditos: Acervo / São Cristóvão
Antes de ser Fenômeno: na base do São Cristóvão, o garoto tímido já mostrava lampejos de gênio — e deixou sua marca no “Time do Branco” antes de conquistar o mundo. Créditos: Acervo / São Cristóvão

Ele canta o hino do clube com voz rouca, emocionada, evocando os tempos em que o São Cristóvão era conhecido como “o fantasma dos gigantes”, por vencer adversários considerados favoritos - essa sina o levou a conquistar duas edições do Campeonato Carioca, em 1926 e 1937. “Na época do meu pai, meu avô, o time teve alguns lampejos. Eu vi pouco”, lamenta o comerciante.  Hoje, mesmo com a campanha modesta – um 7º lugar que tirou o clube da fase final do Campeonato Carioca da Terceira Divisão – ele permanece fiel: “Ano que vem estaremos aqui de novo. Acreditando, como sempre”. 


Rússia em Figueira de Melo: o dia em que o mundo voltou os olhos para o São Cristóvão 


Mas até os clubes esquecidos têm seus momentos de glória inesperada. Em 2024, o São Cristóvão virou manchete nacional ao enfrentar ninguém menos que a seleção da Rússia Sub-23 em um amistoso internacional. O jogo aconteceu no próprio Estádio Ronaldo Nazário e viralizou nas redes sociais, como uma das situações mais inusitadas do ano. O resultado da partida - a vitória por 4x0 dos visitantes -  foi o de menos. O que ficou foi o impacto cultural e a mobilização online. Influenciadores, jornalistas esportivos e torcedores de todo o Brasil comentaram a façanha. A repercussão atraiu marcas e patrocinadores interessados no carisma autêntico do clube, reacendendo a esperança de dias melhores.



Em pleno Estádio Ronaldo Nazário, o São Cristóvão recebe a seleção russa Sub-23 em um amistoso internacional que viralizou — prova de que a mística cadete atravessa fronteiras. Foto: Reprodução/ Instagram
Em pleno Estádio Ronaldo Nazário, o São Cristóvão recebe a seleção russa Sub-23 em um amistoso internacional que viralizou — prova de que a mística cadete atravessa fronteiras. Foto: Reprodução/ Instagram



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