Projeto social leva aulas de arte circense para jovens do estado do Rio de Janeiro
Para jovens de comunidades pobres do Rio, o picadeiro se transformou em palco de luta contra a desigualdade social. O projeto Universidade Livre do Circo, também chamado Instituto Unicirco, tem sete unidades espalhadas pelo estado do Rio de Janeiro e conta com oficinas gratuitas para formação de jovens nas diversas formas de arte circense. Com o objetivo de capacitar e inserir os alunos no mercado de trabalho, o instituto oferece um ambiente onde os alunos podem explorar novas áreas de interesse e descobrir seus talentos.
“Estar no picadeiro é uma sensação muito boa. Ter aquele nervosismo antes de entrar e depois receber as risadas e os aplausos da plateia é sensacional”, relata Lorran Vianna, aluno da Universidade Livre do Circo, ao relembrar como é estar diante do público após uma semana exaustiva equilibrando ensaios e apresentações.
Na Universidade Circo, os alunos aprendem a arte circense enquanto recebem outros ensinamentos propostos pelo projeto, como ciclos de palestras e rodas de conversa. No núcleo profissionalizante, 50 alunos passam por um ciclo básico durante oito meses, período em que estudam todas as modalidades de apresentação, como trapézio, malabarismo, teatro, dança, etc. Após essa etapa, o aluno passa a treinar somente a modalidade de seu interesse e, com isso, ganha um espaço nas apresentações de fim de semana e feriado do circo, junto dos professores e coordenadores da unidade. “Quando ele entra no elenco, o aluno começa a ganhar um salário. É um incentivo muito grande e uma profissionalização rápida”, afirma Luiz Vicente Magano, coordenador pedagógico da Unicirco.
Deivid Cruz, integrante da parte técnica, entrou para a Unicirco como aluno em 2010 e, com o tempo, entrou na equipe pedagógica. “Eu comecei no projeto lá atrás na comunidade que eu morava, o Complexo do Alemão. Na época, meu professor, que estava na Escola Nacional do Circo, recebeu a proposta para trabalhar aqui e me mostrou", diz ele ao contar como conheceu o projeto. A história de Deivid é replicada para outros tantos alunos que tem sua vida transformada pelo tempo em que passam estudando na Unicirco.
Para tentar uma vaga no núcleo profissionalizante, basta se inscrever nas audições periódicas do projeto ou ser um aluno indicado pelo professor de um dos núcleos base, que funcionam como escolas circenses para crianças e jovens a partir de dois anos de comunidades do Rio de Janeiro. Para participar, o interessado precisa estar devidamente matriculado em uma escola de ensino regular.
Além das classes circenses, são oferecidas outras atividades, como aulas de reforço escolar. Existem seis desses núcleos espalhados pelo estado, sendo um no bairro de Santa Cruz, zona oeste do Rio, e cinco em Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense. “Os recursos do projeto vêm de renúncia fiscal da Petrobras e foi o Programa de Responsabilidade Social da Petrobras que indicou a abertura dessa unidade no entorno da Reduc [Refinaria Duque de Caxias]”, afirma o coordenador pedagógico.
Mapa com todos os núcleos da Universidade Livre do Circo. (Reprodução: Google My Maps/Vinícius Feliciano)
A arte em tempos de repressão: história da Unicirco
Criado nos anos 60, o projeto nasceu como “Ginásio Vocacional” e tinha a motivação de levar educação e inovação para os alunos do ginásio, atual ensino fundamental II, de uma escola pública de São Paulo, por meio de aulas que instigavam o pensamento crítico e a arte, como teatro, cinema, práticas comerciais e agrícolas, idiomas e outras. “A gente começou nessa escola um grupo de teatro amador e a gente gostou da atividade cultural e artística. Depois esse grupo saiu para fora da escola e já virou um grupo de teatro profissional”, narra Luiz Vicente. Na década de 1980, o grupo já se consagrava como profissional e fazia turnês por todo o Brasil. Já nos anos 1990, veio a oportunidade de se apresentar em Portugal.
Contudo, o grupo teatral se encontrou quebrado quando enfrentou as diversas políticas aplicadas no começo do governo do ex-presidente Fernando Collor, como o confisco das poupanças brasileiras e a extinção da Lei de Incentivo à Cultura, criada por seu antecessor, José Sarney. “E aí, a gente migrou para o circo, porque no circo a gente é itinerante como no teatro, mas você é dono da bilheteria”, explica Luiz. Assim, foi criado um circo comercial que viajava por todo o Brasil. Com o tempo, o grupo foi se desenvolvendo até virar em 2000, por iniciativa do ator Marcos Frota, um Instituto sem fins lucrativos, a Universidade Livre do Circo. De lá pra cá, o projeto já foi baseado em Minas Gerais, São Paulo, até abrir a sede da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, em 2010.
Hoje, a Universidade Livre do Circo funciona com patrocínio da Petrobras e do Governo do Estado do Rio de Janeiro, através da Lei de Incentivo à Cultura, e apoio da Fundação Parques e Jardins. Já as unidades de Duque de Caxias funcionam dentro de escolas municipais, devido a um acordo formalizado com a Secretária Municipal de Educação de Duque de Caxias.
Alegrai, um espetáculo brasileiro
Criado em janeiro deste ano, o espetáculo “Alegrai” está em cartaz e conta a história de Ori, uma menina que, ao acordar no picadeiro de um circo, é guiada por palhaços e brincantes em uma jornada para reacender a sua memória. O espetáculo conta com diversas interações com o público, manobras corporais, danças deslumbrantes e músicas baseadas em gêneros clássicos brasileiros, como o samba e pagode.
“Esse é um espetáculo completamente autoral, com coreografias e músicas compostas por nós”, explica Luciana Nabuco, uma das compositoras e roteiristas de Alegrai. “É super divertido! Não acreditei quando me contaram que era de graça e vim tirar a prova”, conta Ana Sara, fotógrafa que esteve na plateias com a família
O espetáculo é apresentado pelos alunos do núcleo profissionalizante da Unicirco e está em cartaz aos sábados, domingos e feriados, às 15h e 17h. Os ingressos podem ser retirados gratuitamente na bilheteria do circo, que fica próximo à entrada do BioParque do Rio, dentro do Parque Municipal da Quinta da Boa Vista.
Outras oportunidades
Próximo à Quinta da Boa Vista, há também outra escola gratuita de artes circenses, a Escola Nacional de Circo Luiz Olimecha, inaugurada em 1982. Nela, é oferecido o curso técnico em arte circense, reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC) em 2015, a partir de um termo de Cooperação institucional entre a Funarte e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ).
A formação tem duração de quatro semestres letivos com aulas nos eixos acrobáticos, acrobáticos aéreos, de equilíbrio e manipulação de objetos. Para cada turma são oferecidas 54 vagas, preenchidas num processo seletivo divulgado anualmente em edital. As inscrições são abertas a maiores de 18 anos de qualquer região do Brasil ou estrangeiros, que tenham completado o Ensino Médio. A escola fica na Rua Elpídio Boamorte, S/Nº – Praça da Bandeira – Rio de Janeiro – RJ.
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