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Foto do escritorCarlos Cavalcante

Por que perder horas num ônibus lotado atrapalha sua saúde mental

Atualizado: 3 de jul.

Pesquisa revela que pessoas que passam muito tempo no trânsito estão mais propensas ao estresse e à depressão


Superlotação dos transportes e engarrafamentos pode ser um fator para a piora da saúde mental - Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

“É um cansaço extremo que eu sinto. Acordo todo dia de manhã já sentindo um desânimo muito grande, porque preciso pegar transporte público e sei que o trânsito na Alameda São Boaventura e na ponte Rio-Niterói vai estar um inferno”. A declaração desesperançosa é do estudante de jornalismo João Mello, de 20 anos, mas tem muito em comum com o sentimento de milhares de outros brasileiros. Morador de São Gonçalo, João enfrenta quase duas horas e meia de viagem para conseguir chegar à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), no Maracanã, Zona Norte do Rio, devido aos engarrafamentos e ônibus superlotados. 


Uma pesquisa realizada pela empresa britânica de seguros Vitality Health e pela universidade de Cambridge revelou que trabalhadores que enfrentam muitas horas no trânsito, seja ao volante ou no transporte público, estão mais propensos ao estresse e à depressão. Também correm risco de sofrer com problemas no sono e na produtividade diária. Os resultados mostraram que, entre as pessoas entrevistadas, 33% apresentavam risco de depressão, 12% tinha maior probabilidade de sofrer com estresse relacionado ao trabalho, e 46%, tendências de dormir menos de sete horas por dia.


“Os engarrafamentos causam um nível alto de estresse e ansiedade, por conta da possibilidade de atrasos em seus compromissos pessoais e profissionais. Com isso, podem diminuir a produtividade do trabalhador, pois ele já chega no trabalho estressado e cansado”, explica a psicóloga Alessandra Terra, especialista em psicologia clínica.


Ricardo de Oliveira, de 24 anos, mora na comunidade da Maré e trabalha no centro do Rio de Janeiro. Ele conta que o percurso, que normalmente demoraria 40 minutos, acaba se estendendo por quase duas horas. A situação não é diferente para o supervisor de supermercado Igor Pereira. O jovem de 24 anos percorre o trajeto Bonsucesso-Ipanema todos os dias. Somando as viagens de ida e volta, Igor perde três horas por dia preso no trânsito.


Engarrafamento na altura da passarela 10 da Avenida Brasil, sentido Centro - Foto: Ricardo Oliveira

A Pesquisa Mobilidade Urbana 2022, conduzida pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas e pelo Serviço de Proteção ao Crédito em parceria com o Sebrae, constatou que moradores dos grandes centros no Brasil passam em média 21 dias por ano no trânsito. De acordo com os entrevistados, 28% levam de 30 minutos a uma hora por dia no trânsito e 32% levam de uma a duas horas para conseguir chegar a lugares como o trabalho, escola, faculdade ou fazer compras.


“É completamente desgastante e estressante não ter um lugar para sentar indo ou voltando de um longo dia de serviço. Você está completamente exausto e ainda precisa lidar com mais de 80 pessoas que descontam o estresse nas pessoas ao seu redor. É realmente depressivo”, desabafa Ricardo.


Além da mente, o corpo sente a sobrecarga: “Sinto com frequência muito cansaço, estresse, sono e dor na coluna quando volto da faculdade, mesmo que não tenha tido um dia com muitas atividades”, revela Gabriella Pereira, estudante de psicologia na Uerj


Espremidos como em lata de sardinha


Cariocas relatam prejuízos físicos e mentais graças à ônibus e metrôs lotados - Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Segundo um levantamento feito pela MetrôRio e divulgado pelo DATA.RIO, o metrô apresentou um fluxo médio de 651 mil passageiros por dia em 2023. Outra amostragem, feita dessa vez pela Rio Ônibus, revelou que, no mesmo ano, mais de 298 milhões de passageiros utilizaram o sistema de ônibus no município do Rio de Janeiro.


Ainda de acordo com a amostragem da Rio Ônibus, em 2023, o município do Rio de Janeiro contava com 3.936 ônibus em operação, um número muito abaixo de anos anteriores; entre 2009 e 2017, mais de oito mil veículos estavam em circulação. 


João Mello conta que a lotação já é comum nas idas e vindas entre casa e faculdade: “Eu moro numa cidade que é considerada cidade-dormitório, ou seja, as pessoas dormem nas próprias casas e vão direto para o trabalho, fazem esse fluxo diariamente. Então, sempre pego ônibus e metrô muito lotados, por causa do acúmulo de todos os trabalhadores. Isso me prejudica muito, me desmotiva a continuar a fazer o que eu faço”.


Os atrasos e vagões cheios também são problemas para quem mora em bairros que contam com estações de trem. Kauhan Fiaux, estudante de jornalismo da Uerj, utiliza o ramal Santa Cruz para ir e voltar da faculdade. “O trem lota e começa a não ter espaço para fechar a porta, porque as pessoas tentam entrar e as bloqueiam. Quando conseguem entrar, acaba ficando algo para fora que impede o fechamento da porta, como a mochila, então, o trem fica minutos parado nas estações”, conta Fiaux, que passa por 20 estações de trem  diariamente.


E a saúde mental, como fica?


Situações de estresse no transporte público impactam no equilíbrio emocional - Foto: Freepik

O desconforto e a instabilidade do ambiente geram consequências psicológicas e físicas.  “Quando qualquer pessoa passa por situações estressantes e ansiosas, o nível de cortisol [hormônio responsável pelo estresse] aumenta. Para quem está com sua saúde mental comprometida por algum fator, essas situações impactam no equilíbrio emocional, causando situações como, por exemplo, brigas no transporte público”, afirma Terra. 


Aqueles que não descarregam o estresse também enfrentam consequências, explica a psicóloga. “Existem pessoas que internalizam essas situações, gerando dores no estômago, dor de cabeça, estresse físico e emocional, irritabilidade, impactando no seu dia-a-dia”.


Quem gasta muitas horas no transporte diário acaba ficando sem tempo para poder aproveitar o dia e fazer outras coisas, como lazer, por exemplo. João Mello conta que passa muitas horas na faculdade, e com a demora para voltar para casa, acaba ficando sem tempo para fazer outras coisas. A última vez que Mello conseguiu chegar em sua residência e assistir a uma série ou um capítulo de novela com sua mãe foi há mais de duas semanas. Ele finaliza afirmando que este problema afeta até na forma como ele tratava a família, já que estava muito estressado, o que o fazia não dar muita atenção para os entes. 


Já Fiaux busca opções dentro de casa. Mesmo assim, enfrenta o desafio de manter os olhos abertos em frente às telas enquanto sente o peso do cansaço ainda durante as primeiras cenas de filme. Já que precisam acordar cedo no dia seguinte, ele e Igor preferem descansar ao chegar em casa em vez de buscar uma opção de lazer - para não correr o risco de ter que enfrentar os mesmos desafios no dia seguinte com mais um obstáculo: poucas horas de sono.


Nesta eterna corda bamba, o impacto negativo é comprovado: um compilado de estudos publicado no periódico Journal of Experimental Social Psychology revela que desvalorizar o tempo dedicado ao lazer pode fazer mal para a saúde mental e para a produtividade no trabalho. 


São várias as estratégias adotadas pelos passageiros para reduzir os impactos das longas horas de viagem em meio à superlotação. Ler, dormir, ouvir músicas ou podcasts… tudo é bem-vindo. Para a psicóloga Ana Terra, “seria ideal uma higiene do sono, tentando dormir mais cedo. É importante também a organização e o planejamento para que tentem pegar o transporte público sentado ou criar estratégias para que não sejam muito impactados”.



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