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Foto do escritorSamira Santos

Pré-Vestibular da Mangueira abre portas da universidade pública para jovens de baixa renda

Projeto oferece aulas de reforço, apoio emocional e confiança a estudantes da comunidade


"Eu estudei minha vida toda em escola pública à noite e sempre senti que havia lacunas no meu aprendizado. O pré-vestibular da Mangueira foi crucial para complementar meus estudos e me dar a confiança necessária para tentar uma vaga na universidade". É assim que Maria Alice Barbosa, ex-aluna de um dos pré-vestibulares comunitários da Mangueira, resume sua conquista. Aos 60 anos, ela passou para o curso de história na Uerj. "O pré-vestibular me deu muito mais do que conhecimento. Ele me deu a certeza de que eu posso sonhar com um futuro melhor".


A história de Maria Alice não é um caso isolado. Os pré-vestibulares sociais transformam a vida da população de baixa renda. Projetos como o Ação Direta em Educação Popular (ADEP), na comunidade da Mangueira, preenchem as lacunas deixadas pelo sistema público e criam um ambiente de conforto e confiança para que se possa buscar a tão sonhada universidade pública. 



Alunos da ADEP no evento “O Banquete”, de Mário Andrade. Foto: Camila Jourdan.

O ADEP foi fundado em 2014, originado do Grupo de Educação Popular (GEP) da Providência, para apoiar os moradores da Mangueira contra as remoções forçadas decorrentes dos preparativos para a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Essas remoções afetaram a população da Favela do Metrô, localizada nas proximidades do estádio do Maracanã, palco da final da Copa de 2014 e da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2016.


Relembrando a história da criação do projeto, a professora de filosofia da Uerj Camila Jourdan, coordenadora da ADEP,, conta que o projeto visava o reforço na educação escolar da comunidade e a alfabetização de jovens e adultos. “A gente criou ali um núcleo de acompanhamento e apoio às pessoas que estavam sofrendo remoções. E, a partir disso, surgiu uma demanda de educação popular também na Mangueira”, relatou Camila, emocionada.


Segundo dados de uma pesquisa de 2023, feita pelo Tecendo Diálogos, grupo de trabalho da Fiocruz, com base na resposta de 130 pré-vestibulares sociais do estado do Rio de Janeiro, a maioria dos pré-vestibulares estão situados na Baixada e Zona Norte da cidade. Além disso, grande parte dessas iniciativas funcionam de maneira autônoma ou vinculadas a movimentos sociais, enfrentando uma série de desafios estruturais. De acordo com a pesquisa, 70% dos projetos possuem alguma atividade voltada para saúde mental e bem-estar.


Os pré-vestibulares sociais não sobrevivem apenas pelo empenho de alunos e professores. Eles contam com o apoio vital das comunidades em que estão inseridos. Na Mangueira, o pré-vestibular da ADEP tem uma relação estreita com os moradores, que ajudam na divulgação e, em alguns casos, oferecem recursos para que as aulas continuem. "Sem o apoio da comunidade, seria muito difícil mantermos o projeto. A parceria com moradores e organizações locais é fundamental", comenta Camila.



Gráfico do projeto Tecendo Diálogos mostrando que a maioria dos PVS estão na Baixada e Zona Norte. Foto: Tecendo Diálogos.

A professora Camila destaca ainda que o papel do pré-vestibular não acaba no estudo, mas também passa pelo suporte nos processos de inclusão dos estudantes nas universidades. "A burocracia da Uerj, por exemplo, ainda exclui muitos alunos que têm direito a cotas. O papel dos pré-vestibulares também é auxiliar esses jovens na compreensão e entrega dos documentos necessários", comentou.


Os professores são peças-chave nesse projeto, pois,  além do suporte pedagógico, também ajudam os alunos com a documentação  necessária e até mesmo fazem vaquinhas para as inscrições nas provas. Gregory Costa, professor de literatura na ADEP, destaca a importância de não apenas transmitir conhecimento, mas fomentar uma consciência crítica nos alunos. "O nosso pré-vestibular segue uma abordagem pedagógica inspirada em Paulo Freire. Queremos que nossos estudantes ingressem na universidade com uma perspectiva de mudança social", explica Gregory.


A boa relação dos professores com a causa e com os alunos também favorece o aprendizado. Graças ao esforço de toda a equipe, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro concedeu uma moção honrosa à ADEP, em razão de sua contribuição significativa para a educação popular e sua trajetória. A homenagem, proposta pela vereadora Mônica Cunha (PSOL), reconhece o compromisso da ADEP em construir alternativas educacionais para jovens de baixa renda, abrindo portas para a inclusão nas universidades e desafiando as desigualdades estruturais da sociedade. Para Maria Alice, esse é um diferencial do projeto, que passa para os alunos a confiança necessária, e faz acreditar que é possível chegarem na universidade pública. “A universidade é um espaço extremamente hostil e elitizado. Ajudavam a gente a entender que éramos sujeitos da nossa própria história”, conta Maria Alice. 



Professores da ADEP recebendo a moção honrosa. Foto: Camila Jourdan.

Impactos transformadores

Para além da transformação acadêmica, o projeto impacta os moradores da comunidade das mais diversas formas, como o caso de Sara Matos, que encontrou no pré-vestibular um ambiente de acolhimento e venceu as dificuldades financeiras. "Eles não apenas me ensinaram o conteúdo, mas me deram apoio emocional. Eu saí do ensino médio sem saber como escrever uma redação para o Enem, e o pré-vestibular mudou isso", afirma Sara. “O projeto vai muito além de só querer que aluno entre na universidade, a ADEP é mais que um grupo de professores ensinando, faz parte da comunidade. Eles são uma segunda  família pros estudantes.”



Arraiá da ADEP com oficina de forró. Foto: Camila Jourdan.

Apesar das conquistas, os desafios ainda são grandes. O principal deles é a evasão escolar, muitas vezes causada por questões econômicas e pela necessidade dos estudantes de trabalharem para sustentar suas famílias. Iniciativas como a oferta de bolsas de auxílio e lanches para os alunos que frequentam as aulas noturnas são alguns dos mecanismos adotados pela ADEP para minimizar essa realidade.


Camila Jourdan reforça a importância de um espaço que não apenas prepare para o vestibular, mas que também promova cidadania e empoderamento. "A gente acredita que nossos alunos saem daqui não só prontos para enfrentar a universidade, mas também conscientes do seu papel como agentes de transformação social", afirma.


Para o futuro, a ADEP planeja expandir suas atividades, transformando o projeto de pré-vestibular em um programa de extensão mais amplo, que inclua uma cozinha comunitária e aulas de defesa pessoal, além de manter os já existentes clubes de leitura e atividades culturais.


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