Projeto Recuperarte transforma semana de recuperação escolar em momento de criação
- Rampas

- 8 de out.
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Trabalho realizado na escola Sesi de São Gonçalo aproveita a semana mais difícil do ano para oferecer oficinas artísticas e reforçar laços da comunidade escolar
Por Ingrid Vianna e Lara Soares

Recuperação escolar é um período de provas, revisão e estresse para os estudantes. Na escola Firjan Sesi, em São Gonçalo, não é só isso: graças ao projeto RecuperArte, a recuperação é tratada com uma abordagem diferente, com uma aposta em arte e integração entre disciplinas. As semanas de recuperação na unidade se tornaram palco de oficinas de teatro, música, crochê, RPG, fotografia, dança, pintura, esportes, culinária e outras atividades.
O projeto, idealizado pela professora de Artes Aline Menezes e iniciado em 2017, transforma a recuperação em oportunidade de expressão, reflexão e reconstrução do aprendizado. Valoriza o protagonismo dos alunos e cria um ambiente leve e criativo, mesmo diante das dificuldades acadêmicas. “Em outras escolas, a recuperação é uma semana de energia pesada. Aqui, vira a semana do RecuperArte”, diz Maria Eduarda Dias, aluna da turma 3003. “A gente até estuda mais para poder participar.”
Enquanto os alunos em recuperação fazem as provas, os demais participam de oficinas artísticas, que estimulam vínculos e favorecem a aprendizagem sem interferir no rendimento escolar.
Com liberdade para criar, ministrar ou participar, os próprios estudantes se tornam oficineiros e compartilham seus saberes com colegas e professores. “Foi diferente estar do outro lado ensinando”, conta Helena Corrêa, aluna do segundo ano e oficineira de crochê. “Você entende o espaço do professor, respeita o tempo do outro e percebe como a arte une pessoas que você jamais imaginaria juntas.”
Aline reforça: “A arte aqui é mais do que expressão; é pertencimento. Participar das oficinas cria conexões entre turmas, turnos e idades diferentes. Tem gente que entra introspectiva e depois está na banda, protagonizando apresentações. Esse reconhecimento é um divisor de águas para muitos.”
Estudos variados confirmam a importância da arte como ferramenta pedagógica. Segundo o relatório Educação que Faz Sentido (Instituto Península, 2022), realizado em âmbito nacional, com estudantes e professores de diferentes regiões do Brasil, projetos que integram atividades artísticas ao currículo aumentam engajamento, autonomia e sentimento de pertencimento. A pesquisa, com mais de 7 mil estudantes e professores, revelou que escolas com práticas interdisciplinares e foco no protagonismo juvenil têm até 35% mais chances de manter os alunos conectados ao ambiente escolar. No RecuperArte, os próprios estudantes conduzem oficinas, reconhecendo-se como sujeitos ativos na construção do conhecimento.
Para a pedagoga Luciana Nogueira, o projeto atua integralmente no desenvolvimento dos alunos. “Estimula o cognitivo, o emocional e o social. O aluno se sente importante, vê seu talento reconhecido e isso eleva sua autoestima.” A horizontalidade entre professor e aluno também é marcante. Professores de outras disciplinas, como Paulo Roberto Ramos (redação) e Bianca Amado (educação física), relatam experiências significativas ao se verem no papel de aprendizes. “Participei de uma oficina de RPG com os alunos. Eles sabiam mais do que eu. Foi libertador e divertido”, diz Paulo. Bianca, que ministra oficinas de confeitaria e esportes, ressalta: “A gente não trabalha só com conteúdo, trabalha com pessoas.”
Dados do Instituto Península mostram que apenas 27% dos professores se sentem preparados para práticas interdisciplinares envolvendo arte. A escola Firjan SESI São Gonçalo busca mudar essa realidade com criatividade e compromisso. “O RecuperArte transforma a cultura escolar, muda relações e cria pontes entre o emocional e o cognitivo”, afirma Luciana.
Alunos como Israel Barbosa, Rafael Emerick e Maria Eduarda Dias destacam o impacto do projeto. Israel, oficineiro de música, afirma: “Você aprende a ouvir, respeitar o tempo do outro. Ensinar é uma forma bonita de crescer junto.” Rafael, que depois ministrou oficinas, descobriu seu interesse profissional em comunicação: “Tudo começou na oficina que ministrei.”
A relevância da arte na educação não é apenas empírica; é um direito previsto na legislação brasileira. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reconhece a arte como área do conhecimento a ser trabalhada em todos os níveis da Educação Básica, desenvolvendo competências essenciais como pensamento crítico, sensibilidade estética, comunicação e respeito à diversidade cultural.
Reprodução: Imagens feitas pela equipe de alunos do Social Media da escola Firjan Sesi São Gonçalo

O projeto enfrenta desafios, principalmente logísticos. Há necessidade de espaço, material e apoio de outros setores da escola. A Firjan SESI é uma escola privada gratuita, o que dá certa flexibilidade, mas Aline reforça: “Isso é possível em escola pública também. Não precisa de muito, precisa de gente. A arte não exige riqueza, exige espaço.”
A semana de recuperação, antes temida, passou a ser esperada com entusiasmo. “Em outras escolas, a recuperação é pesada. Aqui, vira a semana do RecuperArte”, conta Duda, aluna da 3003. Estudos da Fundação Lemann e do Instituto Ayrton Senna (2021) mostram que práticas artísticas desenvolvem empatia, resiliência, colaboração e autorregulação, além de melhorar o desempenho acadêmico e reduzir em até 50% a evasão no ensino médio.
Num país com cortes na cultura, o projeto é resistência. “Não queremos romantizar, queremos viabilizar. A arte pode ser acessível, inclusiva e potente”, diz Aline. O RecuperArte, hoje exclusivo de São Gonçalo, foi inscrito no prêmio Arte Escola Cidadã, com a expectativa de inspirar outras unidades do SESI e escolas públicas pelo Brasil.
Mais que oficinas, o RecuperArte reimagina a escola como espaço de vida, troca e protagonismo. “A arte é linguagem, ciência, resistência e consciência… e a escola precisa disso para formar sujeitos críticos e sensíveis”, conclui a professora. Alunos reforçam essa visão: “O RecuperArte mudou minha relação com a escola, com os colegas, com a arte e comigo mesmo.” O brilho nos olhos, citado por Aline como momento mais marcante de cada edição, prova o sucesso de um projeto que lembra, a cada trimestre, que educar também é criar, acolher, imaginar e sonhar.
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