Escola de cinema EncontrArte atua na produção audiovisual na Baixada Fluminense e cria oportunidades em um cenário cultural muitas vezes inacessível
Chuva, câmera e ação. Assim começou a filmagem do curta-metragem “Vilarejo”, obra produzida por uma das turmas da escola de cinema EncontrArte Audiovisual. A reportagem acompanhou o último dia de gravações do curta, no campo de Gericinó, em Nilópolis. A trama dirigida por Jotta Zurc conta a história de um casal que se reencontra para conversar após um término, convidando o espectador a desvendar os motivos que levaram à separação. Na ocasião, a equipe filmava uma cena ambientada em um cemitério, onde a chuva não prevista ajudou a compor a atmosfera soturna do local.
A escola de cinema fica no centro de Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, e oferece formação gratuita para o mercado audiovisual. Com aulas teóricas e práticas, os alunos aprendem sobre direção, fotografia, arte, som e roteiro.
Criada em 2002, a instituição EncontrArte iniciou suas atividades com o festival de teatro Encontro de Artes Cênicas da Baixada Fluminense. Contudo, devido ao início da pandemia de covid-19, a escola precisou se reinventar. Direcionado ao setor audiovisual, o curso de cinema é um projeto social da instituição cujo enfoque é profissionalizar os talentos da periferia.
O projeto mantém seu funcionamento por meio de subsídios fornecidos em editais de convocação e chamamentos públicos promovidos através da lei Paulo Gustavo, que fomenta a produção e realização de eventos, projetos e produtos artísticos e culturais brasileiros.
Luana Ferreira, monitora de produção e assistente de secretaria do EncontrArte, explica que ao longo do ano letivo são produzidos quatro projetos audiovisuais, dois em cada semestre. A idealização, a divisão e a execução das tarefas ficam a cargo dos alunos, com o auxílio e orientação dos professores.
Descentralização da produção audiovisual
Um dos pilares da escola de cinema é a democratização do cenário artístico fluminense por meio da valorização dos talentos e produções do território local. Esse enfoque ajuda a criar uma rede de colaboração entre os alunos, permitindo que eles desenvolvam suas habilidades e tenham acesso a um mercado que antes parecia distante.
O edital de matrícula para as turmas de 2024 recebeu 320 inscrições, com turmas compostas, em média, por 25 alunos cada. “Nós tínhamos a necessidade de sair de Nova Iguaçu para fazer cursos, para ir aos festivais de cinema. Mas precisamos quebrar esse fluxo”, conta Tiago Costa, coordenador geral da escola e ator. A partir dessa iniciativa, os selecionados têm a oportunidade de acessar um ramo cultural que é muitas vezes distante dos bairros e municípios da região.
Mas o alcance do curso não se limita apenas ao município de Nova Iguaçu. O projeto EncontrArte recebe alunos de diversas regiões do Rio de Janeiro, como Bangu, Jardim América e Duque de Caxias. “Nós conversamos muito nas aulas sobre o fluxo natural normalmente ser da Baixada precisar sair para acessar os lugares. É muito legal ver pessoas de todos os cantos vindo para cá para estudar”, afirma o assistente de produção Levi Alves, aluno do curso.
Caio Berc, assistente de arte, completa: “Eu percebo que vêm pessoas da Barra da Tijuca e da Zona Sul, de lugares que a gente normalmente tem que ir para aprender, vindo estudar aqui. É o fluxo contrário do que costumamos ver”.
Exibições em festivais de cinema
Após a conclusão das gravações, os filmes produzidos pelo EncontrArte são distribuídos para exibições em festivais de cinema. O curta-metragem “Paçoca”, dirigido por Marçal Vianna, foi selecionado para o Festival Internacional de Cinema Universitário de Pernambuco (MOV). Em 2023, os filmes “Rumpitur” e “Dezoito” foram exibidos na mostra de cinema do ¡Hola Rio!, festival cultural do Rio de Janeiro realizado em Madrid.
Ao todo, o projeto conta com 20 produções autorais, entre documentários, videoclipes e curta-metragens. A escola já formou mais de 150 alunos entre 2021 e 2023.
Potência no cenário artístico
Ex-aluna da instituição, Carolina Ferreira hoje é roteirista de teatro e de cinema, professora de atuação, atriz, historiadora e diretora de casting. Nascida em Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro, ela se mudou para Nova Iguaçu depois de um amigo entrar em contato para propor um trabalho como atriz. Desde então, sua carreira artística se desenvolve na Baixada. “Meu interesse pelo audiovisual começou quando fui ao cinema pela primeira vez aos quatro anos. Gosto muito de tudo que cerca o cinema, mas nunca achei que trabalharia com isso. Era uma coisa tão inacessível e difícil, tudo era muito longe, você tinha que estudar muito longe, era caro”.
Durante a pandemia, Carolina teve a oportunidade de se matricular em um curso de cinema. Em 2021, dirigiu seu primeiro filme pelo EncontrArte. “Fiz o curso e depois a turma avançada, e aí não parei mais. Eu entrei no mercado tão rápido, que foi um negócio inacreditável”.
Trabalhando concomitantemente com o curso, ela já participou de preparações de elenco em filmes, direção e castings em clipes musicais. Hoje é uma das coordenadoras do Artecine, núcleo que promove aulas de interpretação para audiovisual, além de trabalhar na escola de teatro Villelarte Produções, também em Nova Iguaçu. Com seus colegas de curso, criou uma rede de apoio para que artistas da Baixada Fluminense pudessem ser indicados para projetos, evitando a necessidade de deslocamento para a capital.
“Mesmo quando vim morar no Rio, entendi que a produção que se faz na Baixada Fluminense tem sabor e vivências diferentes. Eu nasci como artista profissional na Baixada. Hoje, como produtora, venho tentando trazer o trabalho de lá para o Rio. Eu acho importante fazer com que seja vista essa produção tão rica que existe lá”.
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