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  • Foto do escritorBruna Silva

Quando o vagão do trem vira o palco proibido

Atualizado: 30 de abr.

Em meio ao sufoco diário, performances variadas – e barradas por lei – oferecem alívio e divertimento aos passageiros da Supervia


Artistas transformam viagens de trem em espetáculos culturais. Foto: Reprodução/Instagram

Em meio à multidão ansiosa de passageiros, os trens fluminenses são cenário cotidiano de milhares de trabalhadores que encaram uma dura jornada sobre os trilhos da Supervia, no Rio de Janeiro. Mas, entre o sufoco e a jornada longa, artistas populares transformam os vagões em palco e o momento de estresse em um trajeto mais leve e alegre. De Homem-Aranha a Silvio Santos, há show para todos os gostos.


Irmãos de vida, GBlack e Saluh viram nos trens, a oportunidade que faltava. Foto: Bruna Silva

As performances são o sustento da maioria dos artistas. Grande parte deles é composta de jovens moradores das comunidades próximas aos trilhos, que encontram na arte uma válvula de escape da violência e da falta de oportunidades.


Gabriel de Oliveira, conhecido como MC GBlack, conta que a ideia de começar a rimar nos vagões surgiu em 2020, após perder o emprego de auxiliar de serviços gerais em uma escola municipal no Jardim Botânico: ”Eu estava precisando de um local para trabalhar e vi no trem uma oportunidade, porque eu já tinha talento para arte”.


Foi no ano passado, durante uma dessas apresentações, que um colega de profissão se tornou melhor amigo. Desde então, o músico Salomão Lopes, conhecido como Saluh, acrescenta voz e violão aos raps do parceiro. Os dois se consideram irmãos e classificam a relação como inseparável.


Com o irmão de vida, a história sobre os trilhos começou há nove anos. “O Saluh perdeu os pais muito novinho e achou esse caminho como saída para não ficar na rua”, conta Gblack.


A paixão impulsiona artistas do trem ao sonho de viver da arte. Foto: Richardson Silva

A dupla não é a única dentro desse trem da Supervia. A rotina de trabalho também é diária para Jessica Coutinho, que apresenta uma performance de voz, violão e ukulele. Após o pai de sua filha sair de casa, a musicista perdeu a renda que sustentava a pequena e, em uma atitude desesperada, foi cantar no trem. Dentro dos vagões conheceu seu atual marido, com quem teve a segunda filha.


Para muitos passageiros, as apresentações representam uma pausa bem-vinda. É o que diz a secretária Ana Cristina Carvalho, de 55 anos, moradora de Bangu, que leva em torno de duas horas para chegar ao trabalho, sem considerar os atrasos por conta da superlotação. “Para que eu consiga chegar na hora certa, eu preciso acordar 4h30 para me arrumar e estar na plataforma entre 5h40 e 6h. Mas tem dias que, por conta da lotação do trem, eu acabo chegando atrasada, porque não consigo pegar o primeiro”.


Ela explica que as performances são uma distração durante essa viagem cansativa. “Por alguns momentos, consigo esquecer todos os problemas da vida e simplesmente me envolver na música e na energia do momento”, afirma Ana Cristina.


Atrasos e superlotação também são queixas frequentes, especialmente para quem mora em áreas mais afastadas do centro, como na Zona Oeste e Baixada Fluminense. De acordo com a Supervia, os trens transportam diariamente cerca de 310 mil pessoas. “Não há superlotação em estações. Eventualmente, por uma questão pontual, uma plataforma pode ficar mais cheia, mas isso não é o cotidiano das operações", afirma a assessoria de comunicação da concessionária.


No entanto, nem todos os passageiros compartilham do mesmo entusiasmo diante dos espetáculos artísticos. “Teve uma vez que uma moça disse que estava com dor de cabeça. Me despedi e fui para o outro vagão. As pessoas não se conformaram e, enquanto eu cantava, elas acenavam para mim pedindo para eu voltar”, relembra Alê Pinheiro.


A cantora, que se aventura em ritmos desde MPB ao pop, conta a solução encontrada: “Eu me apresentei com o som em volume mais baixo e bem na extremidade do vagão, já que a moça estava na outra ponta. Nesse momento, senti tanto carinho e admiração por meu trabalho que me emocionou. Esse fato foi um dos momentos que marcaram a minha história no trem”.


Decisão da Justiça proíbe apresentações no interior das composições da Supervia desde 2019. Foto: Alê Pinheiro

Os artistas que ganham a vida sobre os trilhos ainda enfrentam o desafio da proibição. Desde junho de 2019, as apresentações no interior dos trens estão vedadas por decisão do Tribunal de Justiça do Estado.


Em nota, a SuperVia informou que apoia o desenvolvimento cultural e social da população carioca e, por isso, desde a publicação da Lei Estadual nº 8120, em setembro de 2018, disponibiliza o cadastro para os artistas que desejam se apresentar nas suas estações. “O objetivo do cadastro é planejar as apresentações para que elas ocorram de forma organizada, sem causar transtornos aos passageiros”, afirma a assessoria de comunicação da Supervia.


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