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Restrição à transição de gênero na adolescência mobiliza juventude trans

Atualizado: 2 de jul.

Manifestação no Rio de Janeiro reúne jovens trans e especialistas contra a Resolução 2.427/2025, que limita o acesso à saúde afirmativa para adolescentes


Por Raphael Lisboa



Manifestantes reunidos em frente ao CREMERJ, no Rio, contra a Resolução 2.427/2025. (Foto cedida por Nadru ao Rampas)
Manifestantes reunidos em frente ao CREMERJ, no Rio, contra a Resolução 2.427/2025. (Foto cedida por Nadru ao Rampas)

“Hoje em dia, eu consigo ser eu e não uma coadjuvante da minha própria história”, diz Gabriella Lima, de 20 anos. Mulher trans, iniciou sua transição aos 16 anos, um processo que, segundo ela, salvou sua saúde mental. Agora, diante da nova Resolução 2.427/2025 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que restringe o acesso de adolescentes à hormonização, Gabriela teme que outros jovens não tenham a mesma oportunidade.


Quando decidiu se  afirmar como mulher para os pais, ainda durante a pandemia de Covid-19, em 2020, a estudante de Medicina pelo Instituto de Educação Médica (IDOMED), vivia um processo comum a muitas pessoas trans. A puberdade, a disforia de gênero e a solidão, sentimentos já intensos por si só, que foram agravados pelo isolamento social imposto naquele período.


Seus pais não compreenderam bem e questionavam se aquilo não seria "coisa da cabeça" de Gabriela. Mas, diferente da realidade da maioria da população trans, ela recebeu o acolhimento necessário para iniciar o tratamento hormonal de forma assistida, após um ano de acompanhamento psicológico.


Para ela, a possibilidade de começar cedo foi fundamental. “Ter tomado os bloqueadores tão jovem permitiu que eu pudesse aliviar algumas disforias e impedir que tantas outras surgissem. Disforias que provavelmente só seriam resolvidas com cirurgias invasivas e caras. Foi importante para evitar que eu tivesse barba, que era um medo meu muito grande, e que minha voz engrossasse mais”, diz Gabriela.


O que diz a resolução 2.427/2025


Publicada em março deste ano pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), a Resolução 2.427/2025 determina novas regras para o atendimento médico de pessoas trans. Segundo o texto, adolescentes com menos de 18 anos não podem mais iniciar tratamentos hormonais de afirmação de gênero, como o uso de bloqueadores de puberdade ou a hormonização cruzada. Para os adultos trans, a norma estabelece que a hormonização só pode começar após, no mínimo, 12 meses de acompanhamento psiquiátrico e endocrinológico, dentro de um Projeto Terapêutico Singular (PTS).


A medida, segundo o CFM, tem como objetivo proteger adolescentes de procedimentos considerados irreversíveis. A norma foi aprovada por unanimidade no plenário do Conselho, composto por representantes de todos os estados do país, e está em vigor desde sua publicação.


Para Gabriela, a medida do CFM representa um retrocesso grave, que ignora vidas reais.

“O CFM está chamando de cuidado o que, na verdade, é transfobia institucionalizada. Um país onde o consentimento sexual é permitido aos 14 anos quer dizer que uma pessoa de 16 não pode decidir sobre o próprio corpo? Isso não é sobre proteção, é sobre controle”, afirma Gabriela.



"Não irão nos derrubar", afirmou Ariela Nascimento, que liderou o ato realizado em frente ao CREMERJ, em Botafogo, no Rio de Janeiro. (Foto cedida por Nadru ao Rampas)
"Não irão nos derrubar", afirmou Ariela Nascimento, que liderou o ato realizado em frente ao CREMERJ, em Botafogo, no Rio de Janeiro. (Foto cedida por Nadru ao Rampas)

No Rio de Janeiro, jovens trans, ativistas e aliados se reuniram em Botafogo, no dia 24 de abril, para protestar contra a medida, reivindicando o direito à autodeterminação e à saúde afirmativa. O ato, realizado em frente ao Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ), foi uma demonstração de resistência e união diante do que muitos consideram um retrocesso na luta pelos direitos da comunidade trans.


“Não há idade mínima para existir. A decisão do CFM coloca em risco a vida da juventude trans. Não há nada técnico nisso; é uma posição política, refletindo o que vemos da extrema direita, que nos coloca como alvo. Por isso, sigo dizendo: corpos trans são legítimos, vidas trans importam, e negar cuidado é negar humanidade. Não irão nos derrubar, somos presente e futuro deste país!”, protesta Ariela Nascimento, uma das líderes do ato no CREMERJ. Travesti, é educadora e cientista social formada pela UFF.


Em entrevista ao Rampas, o conselheiro do Cremerj Raphael Câmara, relator da Resolução 2.427/2025, afirmou que a norma foi construída com base em mais de 100 estudos científicos e aprovada por unanimidade no plenário do Conselho Federal de Medicina. Segundo ele, o texto busca atualizar os critérios éticos e técnicos no atendimento a pessoas com incongruência de gênero, priorizando a segurança dos pacientes.

“Um dos objetivos é proteger crianças e adolescentes de procedimentos que, muitas vezes, são absolutamente irreversíveis, podendo trazer problemas e sequelas para toda a vida.”

Câmara destacou ainda que a resolução não interfere em tratamentos que já estão em andamento. “Se tem cirurgia marcada, por exemplo, o procedimento será realizado, mesmo que a pessoa tenha menos de 18 anos.”


Sobre a exigência de 12 meses de acompanhamento psiquiátrico para adultos trans antes do início da hormonização, o conselheiro afirmou que a medida segue o Projeto Terapêutico Singular (PTS) e visa garantir uma avaliação completa e multidisciplinar. Ele também se posicionou diante das críticas que acusam a resolução de restringir direitos.

“O Conselho respeita as opiniões contrárias, mas reiteramos nosso compromisso com o cuidado responsável, baseado em evidência científica e na proteção integral à saúde.”




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