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Skate e patinação ganham força no subúrbio após 12 anos do Parque Madureira

Estrutura esportiva incentivou a prática de esportes de roda na Zona Norte do Rio, mas enfrenta desgaste, abandono e falta de segurança


Por Daniel Góes


Half Pipe do Parque Madureira: referência nacional, mas deteriorado pela falta de manutenção – Foto: Daniel Góes
Half Pipe do Parque Madureira: referência nacional, mas deteriorado pela falta de manutenção – Foto: Daniel Góes

Em um Rio de Janeiro onde as desigualdades territoriais ainda marcam o acesso ao esporte e ao lazer, o Parque Madureira desponta como símbolo de mudança — ao menos parcial — para a Zona Norte. Desde a inauguração do Parque  Tatu Skate Park no complexo, em 2012, o subúrbio carioca passou a ser um dos centros mais vibrantes da cena do skate e da patinação no Brasil. Jovens que antes improvisavam manobras em escadas de praças e meio-fios irregulares agora encontram, em meio ao concreto planejado do parque, uma oportunidade real de desenvolvimento técnico e social.


Com 3.850 metros quadrados, o espaço se tornou um dos maiores equipamentos públicos dedicados à prática de esportes de roda na América Latina. Idealizado com consultoria do multicampeão Bob Burnquist, o complexo conta com bowls, área de street e um half pipe de proporções olímpicas, o que lhe garantiu, em 2016, o título de “melhor pista do Brasil” conferido pela Confederação Brasileira de Skateboarding (CBSK). Nomeado em homenagem ao skatista carioca Jorge Luiz de Souza, o “Tatu”, o parque representa um marco simbólico na relação entre a periferia e os esportes urbanos — uma relação que, historicamente, se desenvolveu à margem do apoio institucional. 


Durante décadas, a prática do skate na periferia do Rio sobreviveu na base da criatividade e da resistência. Os skatistas das zonas Norte e Oeste improvisavam obstáculos nas calçadas, utilizavam corrimãos de praças abandonadas e arriscavam-se em ruas com trânsito intenso. Uma pesquisa do Datafolha de 2015 já apontava: quase metade dos praticantes brasileiros de skate pertencia à classe C, evidência de que o esporte, há muito tempo, deixara de atrair apenas gente de classe média e alta. No Rio, porém, pistas de qualidade que permitissem a evolução técnica sempre foram privilégio das zonas Sul e Central.


O surgimento do “Tatuzão” teve efeito imediato. Praticantes como Ricardo Araújo (36), com mais de 15 anos de experiência, relatam que a inauguração do parque mudou radicalmente o cenário local. Antes, ele se deslocava até o Arpoador ou à Via Light para encontrar estruturas minimamente decentes. Com o parque em Madureira, ele e outros skatistas passaram a treinar com constância, o que impulsionou a qualidade técnica da comunidade. Segundo ele, o surgimento de atletas como Pedro Vita, hoje integrante da seleção brasileira júnior, é reflexo direto desse novo ecossistema. 


Pista de street: espaço urbano planejado permite treinos regulares e segura evolução técnica – Foto: Daniel Góes
Pista de street: espaço urbano planejado permite treinos regulares e segura evolução técnica – Foto: Daniel Góes

A patinação também encontrou terreno fértil no parque. Caique Maciel (28), que começou a patinar ainda criança, retomou a prática anos depois justamente por causa da estrutura oferecida em Madureira. Foi ali que teve seu primeiro contato com o half pipe, modalidade pela qual se apaixonou e que hoje o mantém envolvido com treinos, competições e um forte senso de pertencimento à comunidade esportiva que ali se formou. Ele destaca que o espaço não só potencializou sua performance, como também abriu portas para amizades e trocas com outros praticantes. 


Para especialistas como Miguel Gutierrez, conselheiro da Federação de Skateboard do Estado do Rio de Janeiro (FASERJ), o parque representa mais do que um local de lazer. É uma infraestrutura que transforma o skate em política pública. Segundo ele, enquanto o esporte segue crescendo no país — inclusive com presença olímpica —, é impensável que jovens de periferia pratiquem em condições improvisadas. Pistas adequadas são essenciais para formar atletas, fomentar cidadania e garantir o direito à cidade, que deve ser acessível a todos, sobre rodas ou não.


Mas, apesar do impacto social e esportivo positivo, a realidade atual do parque expõe os efeitos do abandono do poder público. A manutenção das pistas é escassa e, segundo relatos de frequentadores, muitas vezes inexiste. Os reparos, quando ocorrem, são motivados por riscos iminentes, e não por uma política de conservação. Parte das reformas é feita pelos próprios usuários, que, armados com baldes, panos e ferramentas, tentam manter o local minimamente funcional. “A pista do half pipe (estrutura em forma de U) está sempre escorregadia e com muita poeira, causando sérios riscos de acidentes graves” diz Ricardo Araújo, que também já precisou parafusar chapas soltas e lavar outras pistas. Outro frequentador, Kleber Almeida, é conhecido por tapar buracos e consertar bordas danificadas, numa espécie de mutirão informal de sobrevivência em prol do esporte.


Pista de Skate e Patinação: falta de conservação compromete segurança dos atletas – Foto: Daniel Góes
Pista de Skate e Patinação: falta de conservação compromete segurança dos atletas – Foto: Daniel Góes

Mais grave que a deterioração física é o problema da segurança pública. Os relatos de assaltos são frequentes, principalmente no entorno da pista e durante o período noturno. Em  2015, um espectador foi atingido por uma bala perdida durante um campeonato internacional. Desde então, o parque passou a ser evitado por organizadores de grandes eventos, que associam o local a riscos para atletas e público. A sensação de insegurança afastou frequentadores e criou um estigma difícil de reverter. 


Frequentadores relatam episódios de assaltos dentro do próprio half pipe e a inoperância da Guarda Municipal, que por vezes se mantém distante ou desinteressada. O próprio Ricardo contou ao Rampas que já foi vítima de um assalto próximo à pista de skate e, depois, quando foi à guarita da segurança, viu cerca de 4 guardas parados enquanto a área da pista estava vazia. “E ainda disseram não poder fazer nada”, lembra.  A ausência de fiscalização interna também contribui para práticas de risco, como o uso do half pipe por crianças sem equipamentos de proteção e sem supervisão, o que já resultou em acidentes graves — incluindo um caso em que uma criança teve um dos dedos esmagado ao descer a rampa como se fosse um escorrega.


Na tentativa de reverter esse quadro, a administração do parque realizou recentemente uma reunião aberta com os usuários. Algumas medidas foram anunciadas: presença fixa da Guarda Municipal em horários determinados, instalação de placas com regras de uso, criação de uma rede de proteção ao redor do half pipe e exigência de cadastro para quem desejar utilizar a estrutura.


Embora as ações sejam vistas com um certo otimismo por parte dos frequentadores, há consenso de que somente a implementação concreta e o acompanhamento contínuo poderão garantir a efetividade dessas propostas. Entre a promessa e a prática, os frequentadores permanecem atentos — e esperançosos — de que o Parque Madureira volte a ser, plenamente, o lugar seguro, inclusivo e pulsante que transformou a paisagem esportiva da Zona Norte.


Bowl do Tatu Skate Park: pista técnica atrai atletas de alto nível e fortalece a base local – Foto: Daniel Góes
Bowl do Tatu Skate Park: pista técnica atrai atletas de alto nível e fortalece a base local – Foto: Daniel Góes


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