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Foto do escritorCarlos Cavalcante

Terrorismo nutricional: quando o alimento se torna o inimigo

Atualizado: 3 de jul.

Muito difundida nas redes sociais, demonização de alimentos cria vítimas


Associação Brasileira de Psiquiatria estima que mais de 70 milhões de pessoas no mundo são afetadas por algum distúrbio alimentar. Foto: Freepik

Você já teve medo de comer algo porque disseram que aquilo fazia mal? Ou negou aquele bombom para não “acabar com o seu planejamento alimentar”? Essas são algumas das situações que se enquadram no chamado terrorismo nutricional, problema cada vez mais comum nos últimos anos.


O terrorismo nutricional é uma expressão para definir a difusão de informações falsas sobre alimentação, alimentando medo ou culpa de comer algo. O termo é uma evolução do conceito de “nutricionismo”, conceito cunhado pelo pesquisador australiano Gyorgy Scrinis e para tratar da preocupação excessiva com um único nutriente, desconsiderando sua interação com outras substâncias presentes no alimento.


O terrorismo nutricional pode ser desencadeado por diversos fatores, seja por meio de influencers que “informam” sobre o malefício de algum alimento ou por inseguranças que o indivíduo possa ter com o próprio corpo. Tais condições fazem com que algumas pessoas recorram a dietas e restrições alimentares severas.


Quando dietas se tornam perigosas


Em meio à enxurrada de promessas de dietas milagrosas, muitas pessoas optam por seguir planejamentos que não foram indicados por profissionais. Mas a que custo?


Seguir dietas que não foram montadas por um especialista especificamente para você envolve diversos riscos. Entre eles, a demonização de certos alimentos. Amanda Franco, professora e doutora em alimentação, nutrição e saúde pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), afirma que regimes radicais nunca são indicados.


“Dietas restritivas ou extremas não são boas opções em nenhum contexto, mesmo em casos de patologias específicas. A realização de planejamentos alimentares visando perda de peso ou outros objetivos específicos, como ganho de massa muscular, deve ser feita com acompanhamento do profissional nutricionista, único profissional habilitado para prescrever dietas”, alerta a especialista.

Polêmica dieta da lua. Foto: Revista Super Dieta

Uma das dietas mais famosas popularizadas pela internet é a Dieta da Lua. O planejamento consiste em apenas beber líquidos durante 24 horas em cada mudança de fase da lua, ocorrida uma vez por semana. O técnico de enfermagem Carlos Mateus Trajano, de 24 anos, foi um dos que aderiu à dieta durante a adolescência: “Naquele tempo eu era mais jovem, inconformado com meu corpo, ao mesmo tempo que era sedentário o suficiente para não praticar exercícios, então comecei a fazer essa dieta após pesquisar na internet.” 


Trajano conta que ainda intensificou o regime em busca de resultados mais satisfatórios a curto prazo. “Como queria muito emagrecer o mais rápido possível, comecei a fazer com adicional de comer em menor quantidade. Já que eu não me consultava com nutricionista, achava que era o que melhor poderia funcionar pra mim, até o dia em que não aguentei e acabei desmaiando dentro de um ônibus num dia de muito calor”, relembra Trajano.


Assim como ele, pessoas insatisfeitas com seus corpos são as principais vítimas do terrorismo nutricional, podendo gerar problemas de saúde pela falta de nutrientes importantes para o funcionamento regular do organismo. Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, mais de 70 milhões de pessoas no mundo são afetadas por algum distúrbio alimentar, como anorexia, bulimia e compulsão alimentar. 


O problema influencer


Em 2023, o terrorismo nutricional foi evidenciado em publicações de duas grandes influencers digitais. A primeira foi a coach fitness Mayra Cardi, que, ao postar um vídeo de uma receita de bolo de chocolate, afirmou que a sobremesa era capaz de trazer diversos problemas de saúde como doença celíaca, diabetes, obesidade e câncer. 


Já a atriz e influencer Kéfera Buchmann publicou um vídeo no Instagram em que colocava gelatina em pó em um pepino, como método para satisfazer sua vontade de comer doce sem burlar a dieta. 


Informações nutricionais de influencers digitais sem formação em nutrição podem ser perigosas. Foto: Freepik

Um estudo divulgado pela GSK, empresa global de pesquisas, revela que 70% da população brasileira tem interesse por alimentação saudável. O número explica a quantidade de influencers fitness presentes nas redes sociais. 


O “problema influencer” se apresenta quando os criadores de conteúdo espalham dicas de dietas ou de alimentos para banir do cardápio sem qualquer comprovação científica sobre os efeitos da indicação ou formação na área nutricional – tal qual aconteceu nas polêmicas que envolveram Mayra Cardi e Kéfera.


Especialista alerta para os perigos de seguir orientações de pessoas que não são profissionais - Foto: Arquivo Pessoal

Amanda Franco aconselha sobre a necessidade de ter alguns cuidados ao consumir este tipo de conteúdo. “É preciso se perguntar: as informações são livres de conflitos de interesse? Ou seja, é um conteúdo sem patrocínio de empresas? Elas são extremistas, orientando a adotar uma prática restritiva ou descontextualizada das orientações alimentares recomendada pelas diretrizes nacionais? Existe ciência por trás das informações?", orienta a nutricionista. Segundo Franco, “os melhores influenciadores são os profissionais de saúde formados e com registro para esse fim, o que respalda o consumidor, em caso de equívocos!”


Onde encontrar as informações corretas?


Nutricionistas recomendam buscar informações nutricionais com profissionais da área - Foto: Freepik

Não existem segredos ou enigmas, para alcançar o corpo desejado de maneira saudável é preciso se consultar com um nutricionista. 


Os influencers não precisam ser deixados de lado, desde que estes repassem informações baseadas em fontes confiáveis. “A melhor forma de buscar informações sobre os alimentos é por meio de sites oficiais do governo, perfis em redes sociais que são de profissionais formados e não em perfis de influenciadores ou pseudocientistas”, afirma Franco.


Além do acompanhamento nutricional, cuidar da mente é importante para evitar extremismos. Carlos Mateus revela que começou a perceber a evolução no seu quadro a partir do momento em que procurou ajuda profissional. “Demorou muito para perder o medo das coisas, mas depois que comecei a me consultar com nutricionistas e psicólogos, consegui conciliar melhor minha alimentação, minha visão sobre comidas e como comer, o que faz bem e mal, quantidade, etc”. 


Após anos difíceis, o técnico de enfermagem afirma finalmente se sentir livre: “Hoje sou bariátrico, mas continuo me consultando, me alimentando do que consigo e tenho permissão para comer. Gosto de comer bastante e experimentar coisas novas que minha nutricionista me incentiva.”

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