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Foto do escritorMaria Eliedja

Transformando o lixo em vida e renda

Atualizado: 13 de abr.

Conheça o Upcycling, que reaproveita resíduos e transforma o que seria descartado em um produto único


Quando chegou ao fim o festival de música eletrônica e cultura alternativa Universo Paralello, realizado a cada dois anos na Bahia, os artistas Nil, ZZ e Voa Vênus repararam a quantidade de colchões infláveis e barracas jogados no chão. Eles então tiveram a ideia de pegar um daqueles colchões e transformá-lo em arte. O colchão virou bolsa, porta isqueiro, colete, chapéu, calça, entre outras coisas.


Em novembro do ano passado, Nil e os amigos postaram nas redes sociais um vídeo mostrando o processo de transformação do material. No Instagram, a gravação alcançou mais de 30 mil pessoas e foi compartilhada pelo deputado estadual Carlos Minc (PSB/RJ).



Corset produzido com colchão inflável e bolsas feitas com calça jeans e pedaços de tecidos. (Imagem/Reprodução: Maria Eliedja)

“Transformar um colchão inflável que demora 600 anos para se decompor virou um grande discurso pra gente. Se a gente pega aquilo e transforma com carinho, a gente transforma algo que já estava definido como lixo em mais 30 anos de vida”, afirma o designer ZZ.


Nil, que trabalhava em uma oficina de carros até a pandemia, fez da reutilização de materiais sua nova fonte de renda. O artista, adepto do que hoje se chama upcycling, relata como a prática tornou possível um sonho já antigo. “Eu comecei o meu trabalho e a minha experiência com costura na pandemia, que foi quando eu conheci o ZZ, ele é um artista formado na universidade. Deixei o trabalho na oficina e fiquei aberto a me introduzir na arte, que é algo que eu sempre fiz”, conta o artista.


“A costura veio de surpresa, eu não imaginava, mas idealizava algo de moda, sempre quis ter uma marca, mas não sabia como conseguir, como fazer isso, eu nunca fiz faculdade. Então o ZZ me incentivou, me perguntou se eu queria e eu falei que sim. Como a gente precisava de um ‘corre’ ‘pra’ conseguir grana, começamos a criar máscaras com retalhos de tecido”, completa Nil.


À esquerda peça produzida pelo artista ZZ e à direita peças produzidas pelo artista Nil. (Imagem/Reprodução: Maria Eliedja)

O upcycling promove, por meio da criatividade, sustentabilidade e empreendedorismo. A prática consiste no reaproveitamento de resíduos descartados para criação de novos produtos. Materiais como plásticos, latas, madeiras e tecidos ganham um novo sentido no upcycling, pois tudo pode ser reaproveitado.


De acordo com os últimos dados divulgados no Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, a região Sudeste é responsável pela produção de aproximadamente 50% dos resíduos produzidos no país. Em 2022, foram mais de 40 milhões de toneladas de lixo produzido. A região metropolitana do Rio de Janeiro produz cerca de 6,1 milhões de toneladas de lixo urbano anualmente. Segundo a Comlurb, em 2022, apenas 2,7% do material reciclado produzido foi enviado para a coleta seletiva.


A especialista em design circular Ana Clara Argento defende a importância de um pensamento sustentável na hora da produção. “Reutilizar materiais é honrar com todos os recursos utilizados. Então, se a gente já gastou tudo o que a gente gastou para produzir determinado objeto, vamos utilizá-lo até o final. A natureza tem o poder de regenerar, mas leva tempo”, afirma a designer.


A designer é co-fundadora de uma startup de embalagens sustentáveis, a Solo Embalagens. A empresa cria embalagens para transporte e armazenamento de alimentos através da folha seca da palmeira. Os produtos, resistentes ao forno, freezer e microondas, demoram seis meses para iniciar sua decomposição na natureza, sem precisar de nenhuma intervenção.


Embalagens feitas de folhas secas de palmeira. Imagem/Reprodução: Solo Embalagens.

A ideia surgiu em 2019, durante a graduação em Desenho Industrial, quando Ana Clara estudava sobre materiais alternativos para embalagens. Com o apoio de seu então colega de faculdade Mateus Viana, atualmente seu sócio, o projeto foi tocado adiante. Em pouco tempo, a Solo Embalagens já conquistou seis prêmios, nacionais e internacionais.


Compartilhando o poder de resignificar


No ano passado, em parceria com ZZ e Voa Vênus, artista itinerante de upcycling com mais de oito anos de experiência, Nil iniciou o projeto UP2 Lab, um laboratório de upcycling que acontece na Casa Sapucaia em Santa Teresa. Ao final do workshop, além do conhecimento, a pessoa sai com uma peça pronta e um molde para poder continuar criando em sua casa.


A ideia nasceu da necessidade de compartilhar o conhecimento e conscientização por trás do upcycling para mais pessoas. “A gente criou esse movimento ‘pra’ que essa experiência seja passada. O que a gente aprendeu com a Voa é uma coisa tão grandiosa que não se guarda só pra gente. É uma coisa criada pra poder repassar”, declara Nil.


“A gente viu essa importância de não ser apenas os artistas que criam, mas também os artistas que ensinam, que compartilham a sabedoria, não dá pra poucas pessoas lidarem com tanto lixo no mundo. A nossa percepção é isso, a gente precisa ensinar, é um compromisso de todo mundo lidar com o lixo. A gente sabe que tem pessoas querendo, pessoas no TikTok e Instagram que estão absorvendo aquilo, mas que não sabem começar” explica o artista ZZ.


Lixo como sobrevivência


Diante da falta de renda e emprego formal, vender produtos de upcycling oferece uma chance de sobrevivência, impactando positivamente a vida financeira de empresas, pequenos empreendedores e iniciativas que trabalham com a técnica.


Com algum material, criatividade e vontade, é possível sobreviver da arte. “Faz uma bolsa de R$30 com resto de lixo, vai pra praça que você vende e ganha dinheiro. A gente já conseguiu ganhar bom dinheiro numa praça pagando R$80, existe o seu querer. No final da feira, tem gente que deixa peças que não vendeu ali, você pode pegar aquilo e transformar em uma bolsa e vender na semana que vem, como a gente já fez”, defende o designer de produtos ZZ.


A Feira de Antiguidades da Praça XV no Rio de Janeiro acontece todos os sábados até às 16h. Imagem/Reprodução: Guia Cultural Centro do Rio.

Apesar de serem peças únicas e com um propósito socioambiental por trás de suas produções, o upcycling ainda enfrenta alguns desafios de aceitação, principalmente em relação ao preço das peças em relação aos produtos vendidos por grandes lojas de varejo.


Nascidos entre 1997 e 2010, a Geração Z é o público que mais consome atualmente, de acordo com Ana Clara. Esses consumidores estão tomando consciência e gostam quando as empresas têm boas práticas sustentáveis. Entretanto, a designer aponta uma característica dessa geração que diverge do pensamento sustentável.


“A Geração Z é uma geração que vem com uma consciência ambiental bem interessante, mas também é a que mais consome de empresa chinesa que vende roupas e qualquer coisa a preços muito baixos às custas de más condições trabalhistas, entre outras coisas. Se você não paga um preço equivalente, a outra pessoa está pagando, no caso com falta de dignidade no trabalho.


Para refletir sobre o conceito do upcycling, o trio formado por Nil, ZZ e Voa, produziu o mini documentário “Mini doc UP² Lab 2022” que narra suas trajetórias com a técnica e levanta um debate sobre a necessidade de reduzir, reciclar e recriar a partir dos materiais descartados. O minidocumentário está disponível online e pode ser assistido gratuitamente.

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