Desinformação atrapalha combate à dengue na Zona Oeste, região do Rio mais afetada pela doença
- Rampas
- há 6 dias
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Crescimento urbano desordenado da região e acúmulo de lixo dificultam ainda mais a luta contra o Aedes aegypti
Por Ana Beatriz Pereira, Juliana de Sá e Sofia Terra

A luta contra a dengue na Zona Oeste do Rio de Janeiro é dificultada pela desinformação sobre a vacinação e pela baixa adesão comunitária. Isso tudo agrava um cenário já crítico: a região, que concentra 46.7% da população da cidade segundo dados do Censo de 2022, registrou 67% dos casos de dengue no ano passado, consolidando-se como a mais afetada pela endemia. Bairros como Campo Grande (8.774 casos) e Santa Cruz (5.987 casos) lideram as estatísticas em uma área onde o crescimento urbano desordenado, o saneamento insuficiente e o acúmulo de lixo prevalecem. A dengue é uma arbovirose, grupo de doenças infecciosas causadas por vírus transmitidos para os humanos através de picadas de mosquitos, assim como zika, chikungunya e febre amarela.
A alta incidência de casos na região está intrinsecamente ligada a fatores urbanos e ambientais. O professor Ronaldo Figueiró, do Laboratório de Meio Ambiente e Saúde da Faculdade de Ciências Biológicas e Saúde (FCBS), no Campus Zona Oeste da UERJ, explica que o crescimento urbano desordenado ocorre em ritmo mais acelerado nesta região, transformando a paisagem e criando locais propícios para a proliferação do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue. Ele detalha que o avanço do tecido urbano informal sobre áreas verdes resulta em degradação ambiental. Com a falta de saneamento básico nestas áreas de vulnerabilidade, o lixo doméstico a céu aberto proporciona reservatórios de água parada para o desenvolvimento das larvas do mosquito. A professora Tatiana Docile, do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira (Cap/UERJ), complementa que o saneamento insuficiente e o acúmulo de lixo e entulho são barreiras significativas para a prevenção.
Em resposta a esse cenário, as autoridades de saúde têm promovido campanhas de prevenção, como a “10 minutos contra a dengue”, uma parceria entre o Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e a Secretaria de Saúde e Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro. A iniciativa se inspirou em um projeto de Singapura que, após uma grande epidemia há seis anos, conseguiu reduzir em 90% os casos da doença em apenas seis semanas, por meio de checagens voluntárias semanais nas casas. A rotina deve ser semanal, pois é o período que o Aedes aegypti precisa para se desenvolver e passar da fase de ovo para a fase de mosquito adulto.

O guia de checagem do IOC para a campanha orienta a inspeção de diversos locais, desde tampas de garrafas, ralos limpos, pneus abandonados, garrafas vazias, até bandejas de ar-condicionado, todos capazes de acumular água. Lilian Berg, diretora da Policlínica Carlos Alberto Nascimento, em Campo Grande, elogia a eficiência das medidas da prefeitura, afirmando que o controle principal é realizado pelo usuário em sua residência. No entanto, ela lamenta que as pessoas ainda não aderiram à campanha ‘10 minutos contra a dengue’ como deveriam.
A frequência das visitas dos Agentes de Controle de Endemias (ACEs) para a verificação de focos também pode variar. Morador de Santa Cruz, Josué observou que os agentes de saúde passaram a fazer mais visitas após a alta do índice de dengue e menos após a diminuição da doença.
A mobilização comunitária, segundo professores da UERJ, é fundamental para o combate à dengue e começa com a conscientização da população. A agente comunitária de saúde Larissa Nitael, atuante na Clínica da Família Ernani Braga em Santa Cruz, explica que a unidade realiza campanhas em mercados e condomínios para conscientizar as pessoas sobre a importância da imunização e do combate aos focos. A agente Flávia Santana, que trabalha na mesma clínica, confirma a atuação dos Agentes de Vigilância em Saúde (AVS), que “fazem visitas nas casas para poder conscientizar quanto aos cuidados, o que a população pode fazer para evitar a propagação das doenças”. Em alguns casos, enfermeiros e técnicos vão até a casa de pessoas que têm mais dificuldade ou resistência para ir à clínica, levando a vacina para tentar convencê-las.
Além das medidas de controle do mosquito, a vacinação surge como uma nova estratégia de saúde pública. A vacina contra a dengue, segura e aprovada pela Anvisa, é eficaz contra os quatro sorotipos virais da doença (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4). Disponibilizada pelo SUS em 2024, o esquema vacinal é composto por duas doses, com intervalo de três meses. A vacina está disponível para pessoas de 10 a 20 anos. Em maio, a Secretaria de Estado de Saúde do Rio ampliou a vacinação para todos os municípios.
A técnica de enfermagem Rose Silva, da Clínica da Família Ernani Braga, afirma que a procura tem sido alta, mas ressalta que a vacina deve ser administrada exclusivamente dentro da clínica, pois, em caso de reação adversa, o paciente precisa estar no local para ser revertido o choque anafilático.
Contudo, a desinformação e a resistência ainda são obstáculos para conter a dengue. A agente comunitária de saúde Flávia Santana nota que muitas pessoas ainda têm resistência para tomar a vacina. Ela explica que as pessoas não estão confiantes em se vacinar, pois associam erroneamente o ato ao agravamento de doenças anteriores.
A falta de conhecimento sobre as faixas etárias prioritárias também é um problema. Pedro José Mariano, de 71 anos, relata que sua família — que inclui pessoas de 13 a 78 anos de idade — não tomou a vacina porque não tinha conhecimento da faixa etária. Ele conta que ao se informar na Clínica da Família sobre as pendências na sua vacinação lhe disseram que não havia. Outro fator que dificulta o processo, segundo Flávia, são os longos períodos em que moradores ficam sem vacina contra dengue ou Covid, embora a prefeitura abasteça as clínicas. Maria Fernanda Ribeiro de Souza, de 15 anos, que foi imunizada, acredita que as campanhas são eficazes, mas podem aumentar seu alcance.
A gravidade da dengue é evidenciada pelo testemunho de Pedro José, que considera a prevenção primordial após ter tido a doença duas vezes e quase ter morrido na segunda. Ele afirma que em sua casa a vigilância é total, e que tudo que possa armazenar água é eliminado. Ele também relata que seu genro, mais novo que ele, passou muitos dias na UTI sem poder se mexer para evitar uma hemorragia. Para ele, ver a si mesmo “com a vida por um fio” e depois ver o genro “praticamente morto” foi uma lição.
A luta contra a dengue na Zona Oeste do Rio exige um esforço contínuo e integrado. Para a professora Tatiana Docile, do CAP/UERJ, os maiores desafios para conter epidemias na região envolvem saneamento precário, acúmulo de lixo, urbanização desordenada e a baixa adesão comunitária. Como caminhos sustentáveis, ela aponta a educação em saúde e ambiente, melhorias na infraestrutura urbana, maior cobertura vacinal e o uso de tecnologias inovadoras. Cita também o controle biológico com mosquitos portadores da bactéria Wolbachia, que age no vírus e não reduz a população de mosquitos.
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