Por trás da febre dos bebês reborn, as histórias de artesãs que ganham a vida produzindo os bonecos
- Kauhan Fiaux

- 7 de jul.
- 6 min de leitura
Artistas do Rio reclamam de fakes envolvendo as bonecas, usadas por elas para gerar renda, acolher idosos e disputar reconhecimento
Por Kauhan Fiuax

Nas últimas semanas, os bebês reborn — bonecos hiper-realistas feitos de silicone — invadiram as redes sociais. Enquanto memes e piadas viralizam, do outro lado da tela há mulheres que vivem dessa arte bem antes da nova onda de popularidade. E buscam respeito e reconhecimento da prática totalmente artesanal.
Janaina Affonso, artesã da Vila Valqueire, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, é uma dessas mulheres que vive da produção reborn desde 2019. Ela deixou a vida de contabilista e hoje soma mais de 15 mil seguidores na rede social Instagram, onde divulga seus bonecos: “Eu vivo inteiramente da arte. Eu tinha um escritório, sou formada em contabilidade. Quando minha mãe morreu, precisei me reinventar porque eu estava com um bebê de quatro meses e não queria mais a vida de escritório”, explicou ao Rampas.

O conhecimento da arte chegou a Janaina após a filha pedir uma boneca reborn. Sem condições de comprar o brinquedo, a artesã resolveu começar a fazer: “Eu comecei a olhar as bonecas na internet, a ver o preço, não dava para comprar. Foi aí que acendeu uma lâmpada e resolvi eu mesma fazer um.”
A artesã começou a produzir os bonecos após seu pai, Adalício xx, pagar o curso de arte reborn, que custou R$ 2 mil na época. Atualmente, ela tem um ateliê em casa, onde produz todos os bebês reborn. Com seis anos de experiência na área, os bonecos de Janaína custam, em média, R$ 1,3 mil.. Ela produz e vende de três a quatro bonecos por mês.
A confecção dos bebês reborn é quase toda artesanal e, na maioria das vezes, feita por mulheres. Tudo começa com um “kit reborn”, que custa cerca de R$ 800 e inclui membros e cabeça sem pintura. A partir daí, as artesãs pintam a pele, implantam cílios, olhos e até cabelos naturais em modelos mais sofisticados.

Hoje, além de vender os bonecos, Janaina se descreve como uma ativista da arte reborn. Em 2022, ela fundou o grupo “Movimento de Cegonhas Juntos Somos Rosas”, que reúne cerca de 80 artesãs do Rio de Janeiro. O grupo foi um dos primeiros do Rio de Janeiro. Em maio, Janaina realizou um “encontro reborn” na Vila Valqueire, reunindo artesãs da cidade. A pauta do encontro foi justamente a busca por mais respeito em meio à febre reborn.

Janaina idealizou o projeto de lei municipal nº 1892/2023, que propõe a criação do “Dia da Cegonha Reborn” — nome dado às artesãs desse segmento — a ser comemorado em 4 de setembro. “Fiz um abaixo-assinado com outras artesãs e levei ao vereador Victor Hugo (MDB). Aprovamos em primeira instância. Eu e mais dez cegonhas estivemos presentes”, relembra. Apesar da aprovação na Câmara, o texto foi integralmente vetado pelo prefeito Eduardo Paes (PSD) em 2 de julho.
O projeto é de 2023, mas calhou da aprovação na Câmara vir enquanto o assunto começava a explodir na internet. Um dos principais motivos das artesãs reinvidicarem a lei é o não reconhecimento da arte reborn pela Associação dos Artesãos do Estado do Rio de Janeiro, a Aarterj.
Bonecos podem ser aliados em tratamento de doenças
Janaina sempre contou com o apoio do pai para ingressar na arte reborn. Quando ele estava com Alzheimer, a artesã viu uma forma de usar os bebês reborn como terapia: “Quando ele estava muito parado, eu colocava ele para trocar a fralda do bebê, isso trabalhava a cognição dele.” No dia dos pais, Janaina presenteou o pai com um boneco. Em 2022, Adalício morreu por complicações causadas pelo vírus Covid-19.
Laura Quadros, psicóloga do Instituto de Psicologia da Uerj, explica que os bonecos podem ser uma boa alternativa para pessoas com Alzheimer: “O bebê reborn tem um apelo sensorial e pode servir como estimulação cognitiva, reativando afetos e memórias que podem trazer uma melhor integração da pessoa com Alzheimer ao ambiente.”

Entretanto, a psicóloga alerta que o uso dos bebês reborn deve ser feito com parcimônia e limite: “O importante é não perder o senso de realidade. Os bebês reborn são apenas bonecos e devem servir apenas como experiência pelo aspecto lúdico, como forma de brincadeira. Essa noção de diferenciar o que é fantasia e realidade é importante.”
Em caso de uso para terapia de luto — como mães que perderam um bebê, por exemplo — Laura explica que não há estudos que comprovem a eficácia dos bebês reborn: “Alguns especialistas indicam. Particularmente, acho uma questão delicada. Bonecos reborn não substituem pessoas. Portanto, se for como uma distração e brincadeira, pode ser um modo de colaborar para o processo de luto, mas não há estudos que apontam isso.”
Hoje, Janaína também faz um trabalho social voltado, principalmente, aos idosos. A artesã visita asilos e leva a arte reborn para eles. O trabalho também é uma forma de suprir a falta da mãe, que morreu antes de envelhecer, e do pai, que morreu já idoso: “Gosto de visitar asilos porque minha mãe faleceu aos 60 anos, com um câncer terminal avassalador. Eu não vi minha mãe com cabelos brancos, não a vi envelhecer. Comecei a visitar asilos por essa carência de não ter uma mãe.”
Além dos asilos, a artesã também visita lugares carentes e presenteia crianças cujas famílias não têm condições de comprar um boneco reborn. Ela faz o trabalho através do material que sobra da produção dela e de outras artistas, evitando e descarte. Janaína faz esse tipo de trabalho porque lembra de quando não tinha condições de dar um bebê reborn à filha: “Me coloco no lugar dessas mães.”
Hoje, a artesã reconhece que seu trabalho muda a vida de muita gente. Não só a própria, que foi transformada pela arte reborn, mas também de muitos clientes que se emocionam ao ver os bonecos prontos: “É uma arte que ressignifica vidas. Eu me reinventei, ele gera empregos. Para quem gosta de dar para criança, você trabalha a parte afetiva. Para os idosos, trabalha a parte cognitiva.”
O boom dos bebês reborn nas redes sociais
Os bebês reborn estão sendo alvo de muitas fake news na internet. Para Janaina, dentre muitos casos, há pessoas que estão se aproveitando da explosão do assunto, dentre elas, muitas artesãs. Janaina acredita que muitos desses conteúdos que bombaram nas redes sociais são das próprias artistas que querem vender seu trabalho.
“Tem até algumas artesãs fazendo vídeo comprando Aptamil (fórmula de nutrição para bebês) para boneco, eu acho até uma afronta com quem não pode pagar pelo produto. Esse pessoal está ‘dando um tiro no pé’ e ridicularizando a arte. Tem muita gente querendo aparecer por engajamento. Essa febre vai passar e elas serão esquecidas”, desabafa a artesã.
A psicóloga Laura Quadros explica que é importante saber definir o que é real e o que foge da realidade em meio a essa explosão. Ela usa como exemplo alguns casos recentes que viralizaram: “Levar um boneco a um hospital, por exemplo, não cabe nessa situação. Tem um excesso de mídia nesse fenômeno e não podemos perder a capacidade crítica dessa questão.”
Mesmo esse assunto sendo tratado de forma “debochada”, como afirma Janaina, a artesã ainda vê que a febre reborn pode ajudar não só ela, como outras artistas. Mas, segundo Janaina, a febre reborn nas redes ainda não refletiu em vendas efetivas: “O boom vai ajudar, mas é um produto caro. Por enquanto, são mais os curiosos que aparecem mesmo, além dos amigos que perguntam se eu já estou rica”, explica rindo.
Segundo dados do Market Report Analytics, o que se vê na internet está longe de se refletir na realidade. Apenas um a cada 120 bonecos vendidos são do tipo bebê reborn, enquanto os demais são brinquedos normais.
Ainda segundo o relatório, a maioria dos consumidores são mulheres adultas colecionadoras, que representam 60% dos usuários de bebê reborn. As colecionadoras superam até mesmo as crianças, que são somente 25% do público. O uso dos bonecos como terapia clínica entra em terceiro lugar. O resto do público é voltado para fóruns de customização e ASMR — sensações prazerosas causadas por estímulos auditivos e visuais, como as simulações de parto reborn — além de uso como elemento cenográfico.
Célly Guimarães, artesã de Bangu, na Zona Oeste, também vê que a febre reborn diz mais sobre engajamento do que, de fato, interesse em comprar. Ela não viu um aumento na venda dos bonecos, pelo contrário. Desde o ano passado, a artesã observa que a venda, na verdade, chegou a ter uma leve queda.

“ Não vejo aumento na procura, as mesmas clientes que procuravam antes, seguem procurando. Espero que melhore a venda, claro. Quem gosta da arte reborn, vai continuar gostando”, afirma Célly, que produz bebês reborn desde 2021.
A unanimidade entre as artesãs é que o estouro dos bebês reborn ajuda a divulgar e tornar a arte reborn mais conhecida.
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