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Raquel de Sousa

Quando cultura e natureza se unem para melhorar a saúde mental

Centro do SUS em Campo Grande oferece atendimento e atividades gratuitas a pessoas em sofrimento psíquico


Centro de Convivência e Cultura da Zona Oeste. Foto: Raquel de Sousa

Voltado ao acolhimento de pessoas historicamente marginalizadas, o Centro de Convivência e Cultura – Fazendo a Arte é um projeto do Sistema Único de Saúde (SUS). Funcionando na Casa Bosque, em Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro, o espaço promove a desinstitucionalização e a inclusão social, pilares do movimento pela saúde mental antimanicomial, que vem tomando força nos últimos anos.


Para compreender melhor a importância desse centro, é fundamental entender o papel dos Centros de Convivência no contexto da reforma psiquiátrica e da luta pela saúde mental antimanicomial. A reforma psiquiátrica, que ocorreu a partir da Lei Paulo Delgado (Lei da Reforma Psiquiátrica), é uma das bases fundamentais desse movimento. Ela estabeleceu que a sociedade deveria construir uma rede substitutiva aos manicômios, buscando garantir a desinstitucionalização das pessoas que estavam internadas nessas instituições, em muitos casos, sem a devida atenção à sua liberdade e aos seus direitos. Para maior compreensão do assunto indicamos o documentário “Holocausto Brasileiro” da jornalista Daniela Arbex.


Criados no contexto da reforma psiquiátrica, iniciada pela Lei Paulo Delgado, de 2001, os Centros de Convivência substituem os manicômios, e oferecem um ambiente de sociabilidade e autonomia. Para além de uma substituição formal, essas instituições fazem  parte de uma rede de atenção psicossocial que abrange também os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e residências terapêuticas.


“Aqui no Caps, elaboramos um projeto terapêutico singular para cada paciente, e o Centro de Convivência se torna um recurso estratégico nesse processo”, explica a coordenadora Jéssica Cândido (36). Para ela, o espaço não apenas complementa o tratamento, mas também permite que os pacientes redescubram a conexão com a comunidade e com as atividades culturais da região. “É um serviço de portas abertas, onde qualquer pessoa pode participar. Aqui, a diferença não só é aceita como celebrada”, destaca.


Ambiente acolhedor e diverso


Com uma estrutura completamente integrada à natureza, o Centro de Convivência oferece um ambiente arborizado que contrasta com os estigmas frequentemente associados a espaços voltados à saúde mental. “Só de estar aqui, me sinto mais leve e acolhida”, relata uma convivente. Muitos frequentam a Casa Bosque para aproveitar o ar puro e contemplar a paisagem, ressignificando sua relação com o cuidado e com o espaço de Campo Grande.


Entre as atividades oferecidas, destacam-se oficinas de teatro, poesia, música, artes plásticas, atividade de geração de renda e rodas de conversa. Essas iniciativas vão além do aspecto terapêutico, e promovem a autonomia e o empoderamento daqueles que convivem no projeto. O projeto é aberto a toda a comunidade que, muitas vezes, recorre ao espaço para “respirar o ar puro das nossas árvores e contemplar o verde", aponta a coordenadora Jéssica, ressaltando a importância de manter o jardim do projeto em meio às recentes ondas de calor que atingem o bairro.


  O terapêutico bosque do Centro de Convivência reúne conviventes e moradores. Foto: Raquel de Sousa

Arte como ferramenta de transformação


Para Michele Lima (37), oficineira de teatro e poesia com 18 anos de experiência, a arte é essencial no processo de cura e inclusão. “Nosso objetivo é romper paradigmas, oferecer acolhimento e dar voz a essas pessoas, que muitas vezes viveram anos de silenciamento”, afirma. Segundo ela, o ambiente das oficinas é pensado para valorizar a singularidade e o potencial criativo de cada participante.


O impacto do trabalho artístico também é percebido em iniciativas como a oficina de geração de renda e empreendedorismo feminino, coordenada por Andreza Martins (28). “Aqui, ajudamos mulheres a retomarem sua autonomia e a se reinserirem no mercado de trabalho. É emocionante ver como elas redescobrem sua força e autoconfiança”, define. Andreza diz que, antes de chegar ao Centro, nunca havia tido contato prévio com temas relacionados ao CAPS ou à saúde mental e “construiu experiência” por meio da troca com os pacientes. Ela relembra, em especial, “um exemplo do poder transformador da arte e da terapia”, em que uma convivente, após participar de uma oficina de pintura com o filho, viu mudanças significativas no comportamento dele, incluindo uma noite de sono tranquila sem crises, algo que,antes, era incomum.


Música como ponte para a inclusão


O Bloco Zona Mental, formado por pacientes, profissionais da saúde e membros da comunidade, utiliza a música como ferramenta de integração social. Joel de Sousa (27), oficineiro de música, destaca a transformação vivida por ele e pelos participantes. “A música cria um ambiente de expressão e acolhimento, resgatando memórias e promovendo bem-estar. Ela não apenas transforma os conviventes, mas também nos transforma como profissionais e pessoas”, afirma.


Pesquisas reforçam o impacto terapêutico da música, apontando que ela reduz sentimentos negativos, eleva a autoestima e resgata memórias afetivas. Um estudo da terapeuta Nayara da Silva Batista, da Universidade de Pernambuco (UPE), revelou que atividades musicais em grupo promovem maior adesão ao tratamento e senso de realização pessoal.


Um modelo de inclusão e dignidade


O Centro de Convivência e Cultura da Zona Oeste vai além do cuidado terapêutico, é um espaço onde a arte, a música e a convivência se tornam instrumentos de transformação. Cada atividade, seja uma roda de conversa, uma oficina artística ou uma intervenção musical, reflete o compromisso com a inclusão social e o resgate da dignidade humana.


Ao celebrar a diversidade e valorizar as singularidades, o Centro reafirma a importância de um modelo de saúde mental que humaniza o cuidado, promovendo integração e autonomia para aqueles que, por muito tempo, foram invisibilizados pela sociedade.


A desinstitucionalização e a inclusão social norteiam o Centro na luta pela saúde mental antimanicomial. Foto: Raquel de Sousa


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