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Sessão de hoje: os sobreviventes

  • Foto do escritor: Rampas
    Rampas
  • 22 de set.
  • 6 min de leitura

Como dois cinemas de rua resistem em meio ao avanço dos shoppings e dos streamings


Por: Maria Júlia e Clara Calvente



Hall do Cine Arte UFF - Foto: Maria Júlia Braga
Hall do Cine Arte UFF - Foto: Maria Júlia Braga

Programador do Cine Arte UFF, Alexander Vancelotte ainda se lembra do dia em que propôs à direção do cinema uma promoção para atrair público: às segundas-feiras, a entrada no cinema custaria R$ 1. Era 1996, e a grande preocupação era a popularização das locadoras de vídeo, que permitiam que a pessoa levasse os filmes para casa e visse no horário em que quisesse. De lá para cá, o VHS deixou de existir, o streaming e os cinemas de shopping se popularizaram - mas a segunda-feira continua sendo o dia mais cheio no Cine Arte UFF. O ingresso agora custa R$ 5.


Alex, agora com 62 anos, ainda é programador do Cine Arte UFF, cargo que ocupa desde 1986. Testemunha de tantas modificações na maneira como o público assiste aos filmes e frequenta os cinemas, o servidor público é um retrato da história e resistência do popularmente conhecido CineUFF e de outros espaços de rua ainda ativos.


Atualmente, existem nove cinemas de rua na cidade do Rio de Janeiro, de acordo com um levantamento do Rampas: Cine Santa Teresa, Kinoplex Cine São Luiz, Estação Net Rio, Estação Net Botafogo, Espaço Itaú de Cinema, CineCarioca José Wilker, todos na zona sul, Cine Odeon, no centro, CineCarioca Méier e CineCarioca Penha. Para chegar a este número, a reportagem consultou dados da Ancine (Agência Nacional de Cinema). Esse número, no entanto, já foi maior. Segundo as Estatísticas do Século XX do IBGE, a cidade chegou a ter 167 salas nas ruas em 1907, como mostrou reportagem anterior do Rampas  sobre a mudança das salas de cinema para os shoppings. O fenômeno não é de hoje, mas se intensificou nas últimas décadas, com  a popularização dos shoppings centers - espaços que oferecem o conforto do estacionamento e a multiplicidade de comércios em um só local -, a pandemia e o avanço dos serviços de streaming.


O grupo Estação Net - Rio, Botafogo e Gávea - e o Cine Arte UFF em Icaraí, Niterói, são exemplos de resistência desses centros culturais. Adriana Rattes, diretora executiva do grupo Estação, conta que o primeiro cinema da companhia foi fundado em outubro de 1985. O filme exibido foi "Eu sei que vou te amar”, de Arnaldo Jabor, estrelado por Fernanda Torres e Thales Pan Chacon. A princípio, o foco do local era um cineclube formado por pessoas acima dos 30 anos que buscavam um espaço profissional para as exibições, já que na época a tecnologia não era tão avançada. Desde então, o Estação Net Rio vem promovendo mostras, cineclubes, festas e diversos eventos ligados, principalmente, ao cinema nacional.


Do outro lado da ponte, o Cine Arte UFF, administrado por servidores da universidade, foi fundado junto ao curso de cinema e audiovisual, em setembro de 1968, pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos. A três meses da decretação do AI-5, o centro de artes assumiu o lugar do Cassino Icaraí na vida boêmia da cidade. Por conta do endurecimento da ditadura militar, houve um distanciamento entre os universitários e o cinema, que se tornou mais comercial. Foi só nos anos 80 que o professor João Luiz Vieira iniciou o processo de retomada do envolvimento da faculdade com a programação e manutenção da sala. Atualmente, o Cine Arte UFF promove exibições de filmes antigos, mostras de produções estudantis e tem um catálogo focado em produções nacionais.


Apesar de situações econômicas desfavoráveis para os dois cinemas, ambos se mantêm em pé. Durante a pandemia, o Estação Net Rio sofreu com o isolamento social e  correu o risco de fechar as portas em 2021. “Quando o cinema reabriu pós-pandemia, estava com uma ordem de despejo por atraso nos pagamentos, e o dono do edifício em que fica o cinema, o grupo Severiano Ribeiro, queria transformar tudo em um prédio”, explicou Carlos Vinícius Borges, também conhecido como Cavi, parceiro do Grupo Estação e dono da loja de artigos de filmes que fica no térreo do Estação Net Rio. “A Adriana me pediu ajuda para criar a campanha Fica Estação, contra o fechamento do cinema, que acabou saindo no jornal. Depois, sugeri o Ocupa Estação, com eventos culturais quase diários no espaço. Com essas ações, vencemos na Justiça e conseguimos permanecer no local”, acrescentou.  


Adriana disse ao Rampas  que, graças a um financiamento coletivo, no fim de 2020, o Estação conseguiu pagar os seus funcionários e mantê-los até que os cinemas pudessem ser reabertos, em 2021, e a fonte primária do cinema, que sempre foi a bilheteria, pudesse voltar a circular. Eles também contaram com o apoio de seus patrocinadores e da Prefeitura para não fecharem.


Loja Cavideo, no Estação Net Rio - Foto: Clara Calvente
Loja Cavideo, no Estação Net Rio - Foto: Clara Calvente

Já o Cine Arte UFF é mantido com o financiamento da Universidade. Quando o governo federal faz cortes de verba na educação, o cinema sofre consequências. “Devido às questões políticas do governo Fernando Henrique Cardoso, não havia dinheiro para a universidade. Eu tirava do próprio bolso para custear os papéis usados nos folhetos do cinema”, conta Alex. 


Hoje, a maior dificuldade financeira do cinema é a manutenção dos equipamentos. “Todos os equipamentos depois da reforma foram muito caros. A lâmpada que está no projetor dura três a quatro meses e custa R$6 mil. Quando o nosso projetor deu problema, a placa custava R$150 mil”, explicou Juliana Joaquim Gomes, servidora e programadora do Cine Arte UFF.


Para conseguir arcar com as despesas atuais, a aposta dos cinemas tem sido a renovação do público. Ambas as equipes responderam que as sessões especiais têm surtido efeito. “Uma das iniciativas que tomamos para aproximar as pessoas é a Sessão Cápsula do Tempo. Passamos filmes antigos, como os produzidos pelo Kubrick ou David Lynch', Alex pontuou que mesmo com os filmes antigos, a maior parte do público são jovens”. Adriana fala que a presença de pessoas jovens na equipe de curadoria do Estação, para o planejamento de mostras, auxilia na comunicação com os espectadores. “Não tem uma fórmula mágica, apenas uma série de ideias que fazem parte do Estação desde que ele foi criado por um grupo de jovens. Apesar de não sermos mais jovens, ainda sabemos como foi feito.”


Além disso, outro ponto que garante a fidelidade do público é o diferencial que o cinema de rua traz para a experiência de sair para assistir um filme. Cavi afirma que as salas de shopping promovem um ambiente frio, no qual os funcionários não estão diretamente ligados às exibições. Enquanto no Estação a dinâmica passa a promover um debate sobre as produções, criando uma atmosfera de diálogo entre frequentadores, trabalhadores e vendedores. Já Juliana destaca o diferencial da curadoria do espaço do Cine Arte UFF, que conta com profissionais todos formados em cinema, trazendo um catálogo diferenciado, que cuida desde a seleção de trailers até a montagem da programação.


O público que frequenta esses cinemas de rua é, em grande parte, fiel. Os preços e o ambiente aconchegante são os aspectos que mais atraem esses visitantes, além da variedade de filmes que vai além dos blockbusters. A importância desses espaços nos dias atuais também é destacada: “Apesar de ser um pouco nichado, o cinema de rua promove a afetividade entre as pessoas e uma democratização ao acesso do cinema com preço mais acessíveis do que do cinema de rede, o que permite às pessoas conhecerem os mais variados gêneros e diretores de longas”, disse Sara Pimentel, que frequenta o Cine Arte UFF. 


Os consumidores também ressaltam a diferença entre os tipos de cinema: “No cinema de rua a experiência é mais autêntica, o público realmente escolhe a sessão dentre uma vasta curadoria. Não é uma situação mais comercial, uma corrida para pegar uma sessão, aproveitando que já se está no shopping”, respondeu Maria Cecília Sarmento, frequentadora do Estação Net.


Depois de tantos percalços e dedicação, os funcionários do Estação demonstraram seu afeto pelo cinema. Adriana conta como foi a experiência de organizar uma sessão especial de transmissão do Oscar 2025: “A fila para entrar e assistir a transmissão ia até a Mena Barreto. As pessoas estavam na fila vestidas com fantasias, porque era carnaval, com um engradado na mão e cadeira de praia porque não havia cadeiras suficientes nas salas. A gente alugou um telão e botou para quem não coubesse”. Ela ainda explica que esse momento de torcida para a Fernanda Torres foi um momento de ciclo completo dos últimos 40 anos de cinema, já que a primeira transmissão do cinema foi de um filme estrelado por ela.


Alex também compartilhou memórias de seus anos no cinema da UFF: “Houve uma segunda-feira em que exibimos Dogville de Lars Von Trier e o cinema lotou. Eram apenas 464 lugares, mas vendemos 650 ingressos. Tinha gente espalhada no chão, embaixo da tela, na época tinha até um palco para orquestra sinfônica onde um grupo se deitou para assistir”.



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