Teatro comunitário reinventa afetos e vira palco de oportunidades na Vila Kennedy
- Raquel de Sousa

- 22 de jul.
- 3 min de leitura
Aulas gratuitas no Teatro Mário Lago fortalecem autoestima, criam oportunidades e acolhem alunos com diferentes vivências
Por Raquel de Sousa
Na Zona Oeste do Rio, em meio aos desafios do dia a dia da Vila Kennedy, o teatro tem se mostrado um espaço de apoio, escuta e mudança. Todas as terças-feiras, das 15h às 18h, o palco do Teatro Mário Lago se enche de vida com cerca de 30 jovens e adultos que participam da Oficina Joy Produz. O projeto é coordenado por Marcelo Joy, 54, morador da região, ator, diretor e educador teatral.

Criada em 2017, a oficina surgiu em um contexto de agravamento da violência local, após a retirada das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), quando muitos profissionais deixaram de atuar na comunidade. Convidado pelo Movimento Desabafo Urbano (MODU), que na época geria o espaço, Marcelo aceitou o desafio de oferecer aulas gratuitas de teatro.“Vi que o teatro era mais do que estar no palco. Era sobre autoestima, responsabilidade, comunicação. Era sobre mudança”, conta Joy.
O projeto foi ganhando força com o apoio da FUNARJ, que administra o teatro e hoje é presidida por Thaís Aquino. Marcelo conseguiu a concessão do espaço e, desde então, tem se dedicado à própria formação: concluiu o ensino médio, ingressou na UniRio para estudar Cenografia e Figurino e construiu parcerias que contribuíram diretamente para a formação dos alunos.
Um Espaço Para Todos
Hoje, a oficina recebe pessoas de várias idades e histórias. A presença de alunos com deficiência, como Jhenifer Marques, 33, ampliou o olhar de todos os envolvidos. Pessoa com autismo e moradora da Vila Kennedy, ela encontrou na oficina uma nova forma de se expressar e de se conectar com o mundo.
“Minha motivação foi aprender mais e me relacionar com outras pessoas”, conta Jennifer, que começou a participar das aulas em 2024. “A oficina me ajudou a perder a timidez. Fiz amigos e isso me deu vontade de continuar”, relata.

Para Marcelo, a convivência com Jennifer e outros alunos com deficiência trouxe novos aprendizados — tanto pessoal quanto pedagógico. “Nunca tinha trabalhado com pessoas com autismo. Ganhei dois parceiros e aprendi que o teatro é pra todo mundo. Eles me mostram, todos os dias, a importância de buscar uma acessibilidade de verdade”, diz.
Essa escuta tem guiado o projeto desde o início. A proposta da oficina vai além do palco:Marcelo também incentiva os alunos a enxergar o teatro como uma oportunidade de crescer e até mesmo de seguir uma profissão. “Mostramos que existem muitos caminhos possíveis, luz, figurino, produção, cenografia. Muita gente já seguiu por essas áreas, fazendo cursos e trabalhando com isso”, conta.
As peças criadas pelo grupo abordam temas do dia a dia das favelas e periferias do Rio. Os temas vão de violência urbana a relações familiares, passando por desigualdade e cuidado. Tudo nasce a partir das trocas dentro da sala, e o contato com o público da própria comunidade é parte essencial do processo. “A gente quer provocar, refletir e, acima de tudo, construir junto”, resume Marcelo.
Um teatro que nasceu da força da comunidade
O Teatro Mário Lago, local que abriga a Oficina Joy Produz, também carrega uma história de resistência. Foi criado em março de 1979, a partir da mobilização de moradores e artistas da própria Vila Kennedy, que transformaram um galpão da antiga Companhia Estadual de Habitação em um espaço cultural.
O nome homenageia o ator, poeta e compositor Mário Lago, conhecido no teatro brasileiro e por sua atuação política. Com capacidade para 164 pessoas, o teatro se consolidou como uma referência cultural na Zona Oeste, recebendo espetáculos populares, shows, oficinas e cursos. Em 1990, passou a ser administrado pela Secretaria de Cultura do Estado e depois pela FUNARJ.

As inscrições para a Oficina Joy Produz geralmente acontecem no início do ano, mas novos participantes podem ser recebidos durante o semestre, desde que tenham interesse e responsabilidade. É preciso levar RG, comprovante de residência e estar matriculado na escola.
No palco do Teatro Mário Lago — símbolo da cultura da Zona Oeste e fruto da mobilização popular — , Marcelo Joy e seus alunos seguem escrevendo novas histórias com coragem e criatividade. Como costuma dizer o professor: “A vida é um grande palco — e todos devem ter a chance de brilhar.”
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